segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Sisterhood

Desde que se entendia por gente estava acostumada a ser a primogênita. Até mesmo antes disso, antes dessas coisas de se entender por gente, ela foi o primeiro espermatozóide a chegar na barriga que morou por seus primeiros nove meses enquanto era ainda uma substância informe, só uma massinha. Foi ela quem nasceu primeiro na vida da mãe que se mantinha de joelhos enquanto ela ficava em pé. Ela também chegou primeiro à vida do pai, que esquecendo-se já ser grande, brincava tanto com ela a ponto de ensinar-lhe o que era de fato infância.

Como neta mais velha foi a primeira a chegar na vida das avós, que a paparicavam como podiam com o melhor da vovózisse que desfrutou o máximo que pôde. Chegou primeiro também na vida do avô, que a colocou como única, o que realmente era, por muito e muito tempo a fazendo sentir o peso privilegiado não só da exclusividade, mas da primogenitura.

Foi ela que viu o irmão mais novo chegar depois de dois anos e, como tinha visto tal milagre da vida, era agora, oficialmente irmã mais velha pra sempre. Pelo menos era o que achava até então.

O novo cargo trouxe muitas responsabilidades e muitos privilégios ao mesmo tempo. Sempre ouvia a voz invisível da mãe dizer coisas como: cuidado!! ele é pequenininho! ou olha o nenêm! ele é mais novo, cuida dele. E com isso aprendeu a brigar muito com aquela criaturinha e a cuidar daquele serzinho atrevido que viu aos poucos virar um homenzinho.

Era nisso tudo ao mesmo tempo que ela pensava aquele dia que saiu de uma reunião em que tinha dançado sem parar com o Grande Mestre. Dançou mesmo sem se importar se sabia ou não dançar, simplesmente se levantou e dançou com toda força até a música acabar por completo. Logo depois, como precisou beber muita água pra aguentar firme e forte o fim da música foi pro banheiro com a amigairmãmaisvelha que a vinha ensinando a ser irmã mais nova ultimamente.

86000248, Dougal Waters /Digital Vision

Ali dentro daquele quadrado de banheiro direito ouvia com atenção o que dizia a voz da amigairmãmaisvelha que falava lá do quadrado de banheiro esquerdo coisas peculiares às duas que todas as mulheres conhecem, mas que de certa forma as aproximava. Ambas sabiam muito bem como era ter que aos poucos apertar a barriga para que as calças ficassem com um caimento melhor, sabiam que saias poderiam assar coxas como as delas, sabiam exatamente o poder de uma calça jeans para remodelar as dobrinhas que colecionavam e sabiam principalmente como era bom que a voz jogada pro alto encontrasse um ouvido onde pudesse repousar com segurança como elas faziam ali mesmo.

Ela ouvia tudo aquilo que a amigairmãmaisvelha falava com atenção e sem se dar conta, involuntariamente tentava aprender como era ser irmã mais nova. Essa coisa toda de irmandade era muito nova pra ela agora. Há tempos não convivia com o irmão, seu único professor de irmandade desde sempre, tanto como fora antes quando era menina por causa da separação das montanhas mineiras, que escondiam o irmão dos olhos dela.

Mesmo nas amizades anteriores em tempos de irmão mineiro longe, quando ensaiava um pouco de irmandade com as outras amigas, ela tinha o papel mais de cuidadora, apaziguadora e moderadora da turma como faziam os irmãos mais velhos do que irmãos do meio ou mesmo mais novos. Ela estava acostumada em ser consultada pelas outras amigas e não a pedir conselhos como fazia com a amigairmãmaisvelha naquela noite pós natal em que ignorou a voz do Grande Mestre e foi fazer o que quisesse com as velhas amigas que não usavam vestes de louvor e nem queriam.

Naquele dia, mesmo sabendo que não deveria sair com aquelas pessoas com quem escolhera andar por muito e muito tempo se sentia esquisita e achou insanamente que poderia curar sua esquisitisse nas risadas desperdiçadas numa casa que não era de oração onde moravam as pessoas com quem deciciu dividir uma parte da história dela. Na hora em que saiu daquele lugar se sentiu pesada como se carregasse não só a bolsa, mas milhares de sacolas e bagagens que não precisava mais carregar porque o Grande Mestre já tinha se oferecido pra retirar dela pra sempre.

Sem querer ouvir o Grande Mestre, porém, ela teimou que queria carregar tudo sozinha, pois era tudo dela mesmo e no final das contas quase não conseguia se manter de pé. Foi nessa hora que, com tanta vergonha, como se não pudesse olhar pros lados e nem pra canto nenhum pegou o celular com os dedos deslizando sobre as teclas e digitou pra amigairmãmaisvelha: Tá acordada?

A apreensão pela falta de resposta deu lugar ao alívio que veio menos de cinco minutos depois: Tô sim! Fala! Que foi? Essa simples respostinha deu a ela uma lufadinha de ar pra pedir o socorro que precisava e ainda com vergonha de simplesmente existir e com uma dose inerte de relutância digitou novamente: preciso urgentemente ouvir o Grande Mestre e não consigo. Sabe onde Ele está? O que fazer? Deixa Ele usar sua boca porque de outro jeito eu não consigo ouvir! Por favor!!! A amigairmãmaisvelha, que não entendera muita coisa na ocasião, mas estava com o Grande Mestre, fez como melhor lhe aprouve, abriu mesmo a boca e deixou que as palavras instruídas pelo Mestre, que via tudo, deslizassem pelos seus dedos no celular: Entrega teu caminho ao Senhor, confia Nele e Ele tudo fará.

No começo ela ficou um tanto quanto indignada porque os caminhos dela eram dela! só dela e de mais ninguém e não queria interferência nenhuma neles, não queria entregá-los para outra pessoa depois de tanto tempo gasto que teve para colocá-los tortos daquela forma. Mas depois entendeu que a amigairmãmaisvelha a amava, tinha razão completa e não falava por ela mesma, era somente porta-voz do Grande Mestre que a chamava pra mais perto Dele. A amiguinhairmãmaisvelha só jogou a corda de amor com que Ele nos atrai para que ela pudesse agarrar e não se sufocar naquele lamaçal.

Ainda sem digerir tudo aquilo fechou então os olhos e caiu absorta em pensamentos distantes sem rebater o que a amigairmãmaisvelha tinha acabado de falar, pois sabia, como irmã mais velha que era, que os irmãos mais velhos não devem ser contestados e sim respeitados. Eles sempre nos ajudam a ver e a resolver os problemas, mesmo que não concordemos com eles.

Naquela noite quente então, que sentia suas forças serem sugadas, com o telefone ainda nas mãos fechou os olhos e desejou do fundo do coração que a amigairmãmaisvelha estivesse ali perto dela pra abraçá-la e descobriu então o significado da palavra solidão, pois apesar de ter um monte de gente por todos os lados o coração dela não via absolutamente ninguém por perto e se sentia sozinho. Não conseguia enxergar ainda que o Grande Mestre estava ali mesmo do seu lado esperando um abraço, pois seus olhos sujinhos ainda estavam fechados pra Ele. Naquela noite dormiu pesadamente e todas essas coisas se passaram e agora o Grande mestre tudo fez novo.

89024646, Image Source /Image Source

Agora, ali no banheiro enquanto se sentava aos pés da amigairmãmaisvelha, a ouvia falar devagar e com voz suave e amorosa, característica também de irmãos mais velhos, lembrava-se de tudo isso e pensava que o cuidado do Grande Mestre ultrapassava todos os limites. Mesmo os limites do entendimento dos sábios, pois Ele sabia que depois que a amigairmãmaisvelha a ensinasse a ser irmã mais nova ela receberia de bom grado o Primogênito filho do Grande Mestre não só como irmão mais velho, mas como irmão amado. Era mais fácil começar com uma pessoa que ela já gostasse, pudesse ver de perto e tocar enquanto a insensibilidade do coração dela ainda não arredava o pé e enquanto não tinha a visão totalmente curada pra ver o Filho do Homem com olhos como os da águia.

A amiguinhairmãmaisvelha, com todo seu jeitinho calmo e especial que ela admirava tanto e com a maior ajuda do mundo, a do Grande Mestre, amolecia pouco a pouco a resistência que existia dentro dela em renunciar a primogenitura terrena que tinha por algo muito melhor que era o conforto, a segurança de quem tinha um irmão mais velho para que fosse protegido na escola, para que aprendesse coisas que só os irmãos mais velhos sabiam ensinar - assoprar bolinhas de sabão, por exemplo - para que pudesse experimentar como a cumplicidade que só se tem nos irmãos mais velhos era gostosa.

103738353, Roberta Fineberg /Photographer's Choice

A amiguinhairmãmaisvelha mostrou que ser irmã mais nova era mais leve do que ser irmã mais velha, era mais legal e nunca perdia a graça nos papibaquígrafos do caminho. E ela, feliz da vida com tudo aquilo terminou de subir a rampa abraçada à amigairmãmaisvelha já achando o máximo ser irmã mais nova. E quando beijou com força seu rosto pra que a amigairmãmaisvelha descesse do carro teve certeza de que a amiguinha estava fazendo um bom trabalho do jeitinho que o Grande Mestre estava direcionando porque o Primogênito do Grande Mestre já tinha um lugar reservado só pra Ele no coração dela: O lugar de Irmão mais velho das duas, que aproveitavam como criança a graça infinita de serem, ambas, irmãs mais novas de um poderoso Irmão mais velho que cuida e zela por elas.

91947623, Jupiterimages /Brand X Pictures

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