sexta-feira, 18 de março de 2011

O céu lilás com nuveninhas de água bem baixas que a envolviam por todos os lados faziam com que o frio se acomodasse nos braços quentinhos que ela possuía e o vento constante de março vinha trazendo aos poucos o outono que chegava cada dia mais perto. Apesar de o outono ser uma das estações que ela mais gostasse, ali naquela hora, sentia frio e desejava que a carona chegasse com o carro quentinho depressa.

A cabeça dela estava bem ocupada com a preocupação se a roupa estava boa o suficiente para um evento daquele tamanho e as significações que isso implicaria, com as palavras duras da mãe que acabou brigando por ser um evento em plena segunda-feira e com tantas outras coisas que, pelo volume, se fundiam.

E  foi assim que no meio de uma tempestade de pensamentos encavalados lembrou-se que a Amigairmãgêmea dessa vez não estava viajando e nesse mundo não há nada como alguém que pensa com a cabeça da gente pra dividir o que quer que seja. Pegou depressa o telefone e digitou o número gêmeo que sabia de cor. Do outro lado do aparelho a sobrinha dos olhos de piscina com a voz mais amável do mundo a recebia com um sorriso de manhã de domingo e ela, de quase afogada em todas aquelas preocupações, nem prestava atenção direito aos detalhes que a sobrinha dos olhos de piscina falava com calma.

Quando enfim a Amigairmãgêmea fez a voz chegar aos ouvidos dela o coração dela se confortava só de poder sentir a voz da Amigairmãgêmea que, com todos os foguetes possíveis dentro dela, falava rápido e agitadamente como ela mesma era agitada. Depois de explicar todas as preocupações do mundo que pesavam sobre o cérebro inquieto dela a Amigairmãgêmea simplesmente enviou algumas palavras para que ela se escorasse e andasse olhando pra frente de novo e com ânimo renovado.

99277140, Mike Kemp /Tetra images

Era extremamente engraçado o fato de mesmo não tendo a mesma idade e não saindo da mesma barriga, apesar de terem saído da mesma cidade, a semelhança gêmea que possuíam. Quem olhasse à primeira vista nunca saberia falar uma semelhança sequer entre as duas, mas um observador que parasse por cerca de cinco minutos a olhar uma conversa entre ela e a Amigairmãgêmea comprovaria que, cada uma com a bagagem que adquirira, tinha os mesmos foguetes dentro, as mesmas incontáveis gafes públicas, as mesmas ideias malucas, a mesma paixão pueril pelas coisas simples, a mesma falta de filtro e de noção para falar o que o cérebro tinha acabado de conceber e tantas outras coisas incontáveis.

Por muitas e muitas vezes, como era o caso daquela noite pré-outono, ela não conseguia fazer com que o coração parasse de discutir com o cérebro e precisava da voz dela mesma para se orientar, mas não podia formular sentença inteligível. Era nessas horas que ela pensava ter um privilégio indescritível de ter o espelho vivo que era a Amigairmãgêmea. Ela podia ver através da Amigairmãgêmea o que ela mesma faria se pudesse pensar um pouco melhor e gostava disso.

Quando desligou o telefone poucos segundos depois, pela falta de paciência da Amigairmãgêmea, que tem um show pirotécnico inteiro dentro dela, já se sentia um pouco mais leve e já podia apreciar a brisa fria que lhe acariciava o rosto como uma coisa boa e não motivo pesado de frio. Saiu então daquela estação de metrô e foi se sentar num espaço onde o Grande Mestre esperava por ela, agora ela podia vê-Lo, saiu correndo para se sentar junto a Ele e ficou extremamente feliz por causa disso.

Um tanto quanto sem jeito se acomodou ao lado Dele e puxou assunto em outras línguas que o Grande Mestre havia ensinado a ela e com a força dessa conversa com o Mestre caminhou quase que a noite inteira, foi bendita ao entrar e ao sair e ainda colecionou mais algumas histórias.

A Amigairmãgêmea, naquela noite, havia feito o papel de Amigamãedetodas a conduzindo para mais perto do Grande Mestre com a pureza e simplicidade que somente as crianças podem carregar.

95727697, Karen Strauss /The Image Bank

terça-feira, 8 de março de 2011

Um instrumento nas mãos Dele

Mesmo antes de entrar no auditório podia ouvir a voz da Amigairmãmaisvelha que cantava a pleno diafragma. Era somente um ensaio ainda, mas já podia tocar o óleo precioso e fininho que saía do grupo inteiro organizado em cima daquele palco que virou altar. Eram muitas vozes que compunham aquele som único e, mesmo sem ver cada rosto ainda ela já se sentia em casa, pois o som era muito familiar e agradável. Sabia que o Grande Mestre estava por ali e só isso pra ela já era mais do que suficiente. Ela podia sentir a presença Dele.
Como não podia se juntar aquele aglomerado de adoradores no altar resolveu se sentar e conversar com o Grande Mestre que coletava cada notinha produzida ali. Todo o som induzia a isso. A presença Dele era tão palpável que deu vontade de conversar muito mais do que ela mesma conseguia. Ela se sentou bem ao lado do Mestre e se pôs a conversar com Ele que ouvia calma e amorosamente tanto a melodia quanto o que ela falava.
Com toda a atenção possível ao que o Grande Mestre dizia, ela involuntariamente começou a observar que o Mestre usava a boca da Amigairmãmaisvelha pra falar com o coração dela. E não era nem tanto a letra da música ou mesmo a agradável melodia, mas o Grande Mestre a transportou para um dia quente e úmido de verão em que ela aprendia a ser irmã mais nova bem sentadinha numa praça de alimentação bem barulhenta.
Naquela tarde, como se fosse a primeira lição de irmandade, a Amigairmãmaisvelha exortava com firmeza a respeito de presentes que o Grande Mestre havia distribuído exatamente nas mãozinhas dela. Ela, receosa que era de carregar tamanho dom, com o coração ainda em recuperação de experiências passadas não aceitava muito bem aquele presente como sendo pra uso coletivo e em público e sim só pra ela brincar e em espaço reservado.
A Amigairmãmaisvelha indignada de ela guardar aquele instrumento em casa dizia ainda com mais firmeza do que de costume: Nina!!! Você não pode guardar isso só pra você!! Você vai fazer essas cordas mofarem!!!! E ela determinada retrucava: Mas eu não quero voltar a cantar!!! Já disse que faço qualquer outra coisa, mas cantar eu não quero!!!!! Foi então que, mais indignada ainda e, nutrida de grande autoridade dada pelo Grande Mestre a Amigairmãmaisvelha abriu mais ainda os olhos que já eram enormes, fez uma careta de boca retorcida e soltou uma frase muito séria, mas que no contexto todo soou até engraçada pela careta: E quem foi que te chamou pra cantar Nina??? Ninguém te chamou pra cantar! O Grande Mestre te chamou para uma coisa muito diferente. Ele te chamou para adorar e uma coisa não tem nada haver com a outra.

86070146, MacGregor & Gordon /Workbook Stock


Naquela hora o lugar extremamente barulhento parece que se calou pra ouvir a voz de autoridade da Amigairmãmaisvelha que tinha toda razão do mundo. Se o ambiente não tivesse se calado certamente o cérebro dela se calou para ouvir a voz da Amigairmãmaisvelha que continuava: Nina!!! Cantar todo mundo canta. Qualquer pessoa pode pegar um microfone e fazer proezas com o mínimo de esforço ou até mesmo sem esforço nenhum, mas o Grande Mestre te chamou pra fazer algo extremamente diferente e muito mais difícil.
A Amigairmãmaisvelha dava uma paradinha de vez em quando para que desse tempo de a razão dela assimilar todas aquelas coisas, mas percebendo a carinha de interrogação que se formara nela a Amigairmãmaisvelha continuava com voz mais suave e muita gesticulação: o Grande Mestre te chamou para ser adoradora e sabe o que você tem que fazer? Você tem que abrir sua boca e deixar que Ele mesmo toque esse instrumento de cordas que Ele colocou na sua garganta antes da fundação do mundo. O Grande Mestre quer que você se entregue a Ele de tal forma que Ele mesmo toque a música que quiser no instrumento vocal que Ele te deu. E dali em diante ela não teve mais coragem e nem argumento pra dizer mais nada e ficou somente escutando a Amigairmãmaisvelha ensinando pra ela como era ser irmã mais nova.
E naquela noite de festa em que conversava com o Grande Mestre sentadinha no banco acolchoado percebeu que a Amigairmãmaisvelha, naquela tarde já passada há tempos, sabia exatamente o que dizia. Ela percebeu que a única coisa que a Amigairmãmaisvelha fazia naquele palco que virou altar era abrir a boca como havia dito que ela mesma fizesse. E não conseguia mais fechar.
A Amigairmãmaisvelha, que era dona de uma voz de boa dádiva e de dom muito perfeito, mostrou pra ela naquela noite que nada adianta ter uma voz bonita, e saber cantar. O que realmente contava, como a Amigirmãmaisvelha mesmo já havia dito, era a habilidade do Mestre em tocar aqueles instrumentos conforme cada pessoa fosse permitindo. E se Ele não tocasse com as mãos Dele o instrumento ficava como que desafinado e oco, vazio de som.
Olhando fixamente pra Amigairmãmaisvelha ela se lembrava de cada palavrinha que o instrumento de cordas na garganta da Amigairmãmaisvelha produzia naquela tarde já distante: Nina... no final das contas, se não tiver essa unção que desce do trono da graça do Mestre, que Ele mesmo coloca, nada vale a pena. E pensava naquilo tudo que a Amigairmãmaisvelha falava e entendia a cada notinha produzida no altar que aquela autoridade toda vinha do conhecimento que a Amigairmãmaisvelha já tinha. E já vivia aquelas palavras havia muito tempo. De certa forma era essa a receita de sucesso que Amigaairmãmaisvelha tentava passar a ela naquela tarde quente e úmida passada. E que sucesso diga-se de passagem.
Foi então que em um leve toque o Grande Mestre a tirou daqueles pensamentos todos em que tinha se enveredado, lançou a ela um sorrisinho cativante e ela sorrindo em retribuição abriu vagarosamente a boca para que Ele mesmo tocasse também o instrumento de cordas que havia colocado na garganta dela como a Amigairmãmaisvelha tinha ensinado.
O Grande Mestre estendeu então a mãozona Dele e colocou no instrumento de cordas da garganta dela um cântico novo e ela O adorou com toda a intensidade do serzinho que ela era. Depois disso não conseguia parar nunca mais e entendeu o que se passava com a Amigairmãmaisvelha que não conseguia parar e se deixou levar pelo toque do Grande Mestre virando apenas um instrumento usado nas Grandes Mãos poderosas Dele. Tinha assim descobrido o presente de ser um instrumento simplesmente tocada por Ele.


93908980, Ariel Skelley /Blend Images

segunda-feira, 7 de março de 2011

Linguagens e idiomas

Desde pequena admirava muito todos os sons emitidos com a finalidade de se comunicar. Ouvir outros idiomas e tentar entendê-los era um prazer e até um passatempo nos tempos de menina. A mãe, percebendo o gosto dela em ouvir outra línguas, mais do que depressa mariculou-a em um curso de inglês para que pudesse entender com consciência o que estava falando e ela aproveitou como pôde cada uma das aulas.

Mais tarde queria ter noção de todas as línguas da face da terra e descobriu na enorme estante do avô um dicionário que continha não apenas um, mas cinco idiomas diferentes. Pegou papel, caneta, um texto curto que tinha gostado muito de ler no vício de leitura contínua na língua materna e pôs-se a traduzir nos cinco idiomas aquele pequeno papelzinho que agora já eram cinco. Como o texto não fazia muito sentido sendo traduzido palavra por palavra se cansou de descobrir termos soltos que não faziam sentido na mesma frase e largou tudo isso pra lá.

Mas o fascínio por vernáculos alheios nunca a abandonou. Até mesmo a diferença sonora de sotaque que havia da terra que a viu nascer pra terra que a acolheu de braços abertos merecia atenção no modo de acentuar as palavras e muitas vezes de interpretá-las. Essa mistura regional que o enorme país natal proporcionava era muito empolgante pra ela e vez por outra se pegava repetindo palavras recém saídas da boca das amigas. Certa vez a Amigairmãmaisvelha prometeu colecionar todos os termos mais diferentes que ela costumava usar e que só os mineiros dominam com sucesso de tanto que ela repetia termos e expressões que a Amigairmãmaisvelha, paulista que era, estava acostumada a usar.

Todo esse fascínio linguístico foi o maior motivo de ela estar ali parada com a boca fechada e ouvidos abertos para ouvir todos aqueles sons que saíam da boca da Amigamãedetodas enquanto o Grande Mestre falava. Ela não tinha conhecimento do significado daquelas palavras apesar de poder claramente ouví-las. A língua que a Amigamãedetodas falava sem parar é a dos anjos e o Grande Mestre só ensina a gramática àqueles que são chamados para este propósito ou ainda para serem mini mestres e ensinar a outros como é o vocabulário celestial. Mas mesmo sem nada entender e sabendo que não conseguiria mesmo interpretar aquelas palavras que a Amigamãedetodas falava ela continuou prestando atenção, pois só de o Grande Mestre falar qualquer coisa que fosse já era motivo de se prestar atenção. Mesmo que não houvesse entendimento intelectual e racional menos ainda.

Enquanto a Amigamãedetodas se empolgava na conversa com o Mestre Ele estendeu as mãos e foi ensinando outros idiomas que ela já tinha ouvido antes e através dessa conversa foi confirmando no coração dela, que estava de espectadora encantada, várias coisas que só o Grande Mestre pode fazer.

Ele disse a ela em inglês que Ele fala mesmo, que não é um Mestre mudo e provou estar á frente de toda situação falando em italiano que era Ele mesmo quem fazia todas aquelas coisas. Em princípio ela quase não acreditou quando ouviu aquelas palavras pois sabia do domínio natural que a Amigamãedetodas tinha sobre a língua pátria das duas que era o português, mas sabia também que a Amigamãedetodas não dominava nenhum outro idioma terrestre. Mas mesmo assim se encantou com aquilo. Foi nessa hora que o Grande Mestre bradou em alta voz que era Ele o Senhor de todas as línguas e o coração dela se encheu de temor a Ele.

Foi então que de um salto a Amigamãedetodas pegou nas mãos dela e começou a cantar em línguas misturadas muitas e muitas coisas que o Mestre mandara, mas como estava a maioria em inglês a velocidade da pronúncia só a permitiu de entender o nome de uma cidade do mapa longínquo que conhecia tão bem e agradeceu ao Grande Mestre por poder participar daquela conferência idiomática se sentindo muito feliz por poder ver muitas coisas novas linguísticamente falando.

Aquela cena sonora ficou batendo e rebatendo na cabecinha dela por tempos e tempos e ela, fascinada que ficara, admirava mais e mais o Mestre que tinha todo poder nas mãos, inclusive do domínio dos idiomas. E agora ali, sentada sozinha com o queixo apoiado pela mão ela pensava longamente sobre todas essas coisas ainda agradecendo ao Grande Mestre por Ele ser o Senhor das línguas e pedindo que ela mesma fosse fluente na Palavra da verdade que Ele anunciara aos filhos da Promessa e o Consolador ensinava a ela dia após dia.

Diante de tal pedido de expansão de vocabulário resolveu arriscar a falar coraçõnês e dizer para o Grande Mestre que O amava MUITO. Como o som saiu ainda com certa estranheza pela falta de domínio ela começou a rir do próprio desajeito e o Mestre que a olhava com olhar carinhoso retribuiu o sorriso mostrando a ela nas marcas das próprias mãos o quanto Ele a amou primeiro. Ela entendendo o que o Mestre dissera beijou suavemente o rosto Dele agradecida pela misericórdia que era disponibilizada a cada manhã por Ele, sendo o Senhor supremos das línguas, falar uma língua que ela entendesse tão bem: a linguagem do amor Dele.

93909947, Brigitte Sporrer /Cultura

sábado, 5 de março de 2011

O semeador saiu a semear

Já havia bastante tempo que o Grande Mestre vinha preparando muitas sementes para o jardim fechado que fazia dentro dela. O novo hobby do Grande Mestre exigia tempo e trabalho muitas vezes árduo, mas Ele permanecia fiel àquela obra e parecia se deliciar a cada plantinha que saía daquela terrinha adubada e cuidada com carinho por Ele.

Foi só naquela tarde chuvosa na casa de oração da Amigamãedetodas que ela entendeu que a despedida das duas melhores amigas de tempos antigos da vida dela era, na verdade, uma varredura para o plantio de virtudes ainda não conhecidas. Ao longo da vida toda as amigas, que estavam se despedindo para melhores oportunidades de convivência, foram plantadas em tempos de guerra e por muito tempo foram a família com quem ela escolhera estar e dividir as gargalhadas que podiam. Durante muito e muito tempo aquele tripé a mantinha viva, mesmo que não fosse de pé. E, pra ela, isso era apenas suficiente.

Desde o dia em que ela tinha se decidido a dar as duas mãos para o Mestre que a conduzia Ele foi desembaçando os olhos dela e foi questão somente de tempo para o suficiente se tornar desnecessário e por fim pesado. E foi nessa época que começou a ver que as sementes que originaram aquelas amizades, apesar de serem plantadas com toda boa intenção existente eram, na verdade, joio plantado tão pertinho do trigo que era quase que imperceptível o que era um e outro.

200444546-001, Elena Segatini /The Image Bank

E era exatamente isso que o Grande Mestre vinha fazendo naquela semana. Ele arrancava cada pedacinho de joio amadurecido e os colocava no mar do esquecimento. Limpava cada centímetrozinho daquela terra que era propriedade particular Dele. Revirava toda terra, arrancava raízes de mato que tiravam a beleza das flores e desenhava o acabamento daquele jardim em fase de reforma.

Ela sentia algumas mudanças por fora, mas sabia que era o Grande Mestre que estava mexendo e isso bastava pra ela que tinha esperança e aguardava em silêncio. E mais do que isso, confiava nas mãos Dele pra tudo, inclusive como jardineiro.

Além do mais ela sentia falta demais daquelas tardes em que se assentavam e brincavam no jardim como se fossem crianças e pediu que o Mestre então plantasse algo novo para que pudessem compartilhar daquele momento em que Ele a ensinava a ser terra boa. E ela, como boa aprendiz, mesmo sem dizer nada, absorta nos olhos Dele, se esforçava por aprender cada coisinha daquelas com o prazer de simplesmente estar perto Dele.

Foi relembrando dessas tardes gostosas de primavera espiritual que pediu a Ele para ver o que Ele tanto fazia ali, pois queria participar também desse processo única e exclusivamente para ficar perto Dele. O Grande Mestre, que tem ouvidos mais apurados do que os de músico ouviu e preparou um caminho todo florido para que ela pudesse ver o que Ele estava fazendo.

Como ela estava esperando quietinha e nem se mexia a Amigamãedetodas colocou-a pra andar começando a falar de todas as coisas de fé que existiam e da forma como o Mestre manuseava os instrumentos de jardineiro no coração da gente. Ela parou ali sentada aos pés da Amigamãedetodas e absorvia como uma esponjinha cada detalhe da forma como Ele trabalha e queria mesmo era aprender como a Amigamãedetodas, que sabia de tantas coisas.

Os casos contados transformaram-se em casos cantados, pois não era mais possível falar aquelas coisas, obras das mãos Dele, sem lavar o rosto de lágrimas e cantando era sempre mais fácil de o agradecimento sair de dentro da gente. E cantando as grandes obras das mãos do Mestre, sem saber e sentir, a Amigamãedetodas a tomou pela mão e a foi conduzindo em canção por uma estrada que era tão nova pra ela que ela nem prestava atenção no que era dito e sim no caminho.

83310828, Gallo Images-David Malan /Photodisc

E passaram por vários pontos que despertaram o interesse dela naquela estradinha regada de óleo e ela, que segurava a mão da Amigamãedetodas pôde aproveitar e olhar para o caminho que estava trilhando sem se preocupar onde estava pisando. Ela viu que a Amigamãedetodas parou numa estação de idiomas e o Grande Mestre colocou na boca da Amigamãedetodas várias línguas daquelas. Cada uma tinha uma cor e quando colocadas na boca da Amigamãedetodas cada uma tomava uma forma e saía em forma de encorajamento e confiança, coisas do Grande Mestre... Nessa estação ela entendeu que Ele era o Senhor soberano das línguas e aprendeu um pouco mais da língua dos anjos, pois não poderia aprender tal coisa em nenhum outro lugar.

Retomaram o passo e assim que saíram da estação das línguas, ela que já tinha uma nova língua como canção, não conseguia mais prestar tanta atenção no caminho como antes. De olhinhos bem fechados ela aproveitou a certeza de não tropeçar por estar segura nas mãos da Amigamãedetodas, que estava nos braços do Grande Mestre e se deixou carregar pela canção que saía cada vez mais alta.

3536-000037, Southern Stock /Photonica

Enquanto isso o Mestre esperava que ela soltasse uma notinha musical que Ele mesmo colocou dentro dela para que Ele tomasse por completo o controle do caminho dela. Ela mesma não tinha segurança em soltar a pobre notinha e achou melhor deixá-la lá dentro confortável e protegida no calor do coraçãozinho que era um ótimo anfitrião.

A notinha porém não queria de forma alguma ficar naquele lugar mesmo que estivesse agradável e começou a pular e ficar inquieta dentro dela buscando um pouco de ar fresco. E ela foi ficando incomodada demais com aquela notinha agitada querendo sair até que finalmente, se debatendo no estômago, a notinha pulou pra fora e saiu irrompendo numa música velhinha, que foi suficiente para levar todo medo e receio junto com a notinha que se desfazia nas mãos do Mestre, de encontro ao ar.

108442779, Moment /Cultura

O Grande Mestre que assistia tudo colocou as mãos no ombro da Amigamãedetodas e disse: - Está vendo? Olha lá em cima o medo que saiu dali, pode ver? Eu mesmo vou pegá-lo, agora já está em mim, vai lá e mostra pra ela as flores que Eu estou plantando aqui nesse jardim. E a Amigamãedetodas levantou-se e foi. E segurando as mãos dela lembrou-a que ela tinha uma arara para cuidar e planos a executar independentemente do que acontecesse.

Enquanto isso a Amigairmãsensata ungia as asas que o Mestre estava dando para que ela pudesse ver as coisas do alto e ela já se aprumou em posição de voo de águia para ter postura de quem vê as coisas do alto. E vive as coisas do alto. E ama mais que tudo as coisas do alto.

O Mestre colocou então a Amigairmãmaisvelha para cobrir aquela sala com louvores à direita e colocou o menino dos dedos de teclas para fazer uma barreira intransponível à esquerda colocando todos eles no esconderijo do Altíssimo, debaixo das asas poderosas do Grande Mestre onipotente. Todos os presentes naquela reunião de fim de tarde se sentiram bem seguros e guardados por um poder nunca antes tocável.

Ela se sentia por todos os lados abençoada e levantou-se daquele sofá como se pudesse enfrentar um batalhão, afinal de contas, bem guardada desse jeito temer porquê? Calçou os sapatos que havia tirado para aumentar a sensibilidade dos pés e se sentiu renovada, como se o Mestre soubesse que ela precisava daquele alimento para continuar se locomovendo e existindo.

Na verdade ela sabia que Ele conhece todas as necessidades dela, mas no final das contas o Grande Mestre era também um pai fiel e surpreendente que cuidava dela com amor e zelo. Naquela noite mesmo com o frio que os paulistanos sentiam o fogo do Espírito queimava tão forte dentro dela que todo agasalho oferecido foi recusado em troca de um abraço aquecedor que ela passava a conhecer bem.

88093337, Tripod /Taxi

sexta-feira, 4 de março de 2011

Ela mal podia aceditar na complexidade das coisas que aconteceram naquele mês chamado Férias. Uma revolução espiritual havia se instalado na atmosfera ao redor dela e ela achava tudo aquilo perfeito. Só de ser alimentada todos os dias com uma palavra fresquinha, novinha em folha vinda direto do trono da graça do Grande e amoroso Mestre já era fantástico por si só.

Naquelas tardes que viravam noites após todo o trabalho que tinha que fazer e pilhas de informações pra ler que a vida dela tinha novamente virado com o início das aulas ela se pegava a pensar naquelas doces lembranças querendo tocá-las novamente. Ali mesmo, sentava no mini sofá do lounge com pseudo preguiça de subir o restante da escada ela saboreava cada detalhe que podia se lembrar daquele tempo como que se revivesse.

Foi inevitável alguma coisa ou outra lhe escaparem, mas de todas as lembranças ela se apegou àquela que mais a fazia pensar nas coisas que ainda estão por vir.

Certo dia o Grande Mestre a tomou pela mão em sonhos e a levou novamente na casa em que morou por longos anos dividindo todas as coisas com o avô que lhe ensinou a contar histórias de toda espécie. Foi por causa da falta que se instalara no meio do coração dela de todos os casos que o avô contava que um dia ela começou a escrever pra ela mesma. E ela gostava daquelas historinhas que criara a partir de coisas que já existiam.

E foi assim, com saudade do avô, que naquela noite em que repousava nos braços do Grande Mestre foi levada mais uma vez à casinha que conhecera quando era pequena e viu uma ararinha empalhada que não tinha vida dentro.  Ela, que não gostava de tocar em pássaros por causa do corpinho frágil que tinham, mas naquele sonho colocou-se a acariciar a ararinha vermelha de tão linda que era aquela plumagem de cores que ela gostava tanto.

102411953, Darrell Gulin /Photographer's Choice

De tanto ser acariciado o bichinho foi ganhando vida e quando ela tentou se afastar ele rolou pro lado dela como se não quisesse sair de perto. Um pouco assustada porque a ararinha empalhada estava se mexendo ela continuou a passar a mão no pássaro e aos poucos a vida que o Grande Mestre colocou nela foi passando das mãos dela para o corpinho da ave, que ensaiava umas respiradinhas.

E ela, que não sabia bem o que fazer foi passando a mão na ave com pena da pobrezinha e foi colocando calor nos ventrículos da ararinha que já conseguia respirar e ensaiava um sonzinho. Sem sair nenhum minuto de perto das mãos dela a ararinha arriscou um pequeno voo, mas correu direto pra cruz, pra perto do Grande Mestre representado pelo avô, que sorriu e recebeu a avezinha como que a abençoando.

3312-000215, Dan Holmberg /Photonica

E ela, olhando aquilo tudo voltava a sonhar tendo a certeza de que se ela acariciasse aqueles sonhos plantados há tanto tempo no coração dela, e outrora destruídos por lama e perdição pecadora, eles poderiam abrir os olhinhos novamente e a vida poderia tomar conta do interior deles.

Colocou-se prontamente a acariciar todos os sonhos que queria muito e podia se lembrar naquele momento recém acordada, pois o Grande Mestre havia começado uma obra e era fiel e justo para terminá-la e fazer todo o acabamento.

Reuniu aqueles projetos nas mãos e apresentou-os para o Grande Arquiteto do mundo, que era capaz de construir e ressucitar qualquer projeto. O pedido dela naquela manhã era que fossem alinhados os projetos dela com os projetos do Grande Mestre, pois Ele era perfeito e poderia apontar qualquer imperfeição que por ventura houvesse.

O Grande Mestre pegou todos aqueles papéis velhos e meio amassados e em questão de segundos limpou, alinhou, desmanchou e fez tudo novo. Agora o papel novinho e já havia sofisticação no design. Ele é mesmo muito perfeito - pensou olhando para a obra. Ficou feliz por poder ter um projeto daquele tamanho nas mãos e se encheu de esperança por poder participar daquilo tudo.

Olhando pra todo aquele mateiral reunído nas mãozinhas dela e analisando os detalhes o olho disse pro coração: olha o tamanho disso!!! e o coraçãozinho receoso logo pensou que não era possível executar obra daquela magnitude com o que ela tinha disponível de material.

dv380117, Photodisc /Photodisc


Foi então que o Grande Mestre olhou para o coraçãozinho sabendo exatamente o que o pequenino estava pensando e passou a mão na cabeça do coraçãozinho dizendo: Por que você está tão abatido pensando nessas coisas? Sou Eu que te fortaleço. Esqueceu que pode todas as coisas quando estou junto? Inclusive se contrair. Não fique ansioso por coisa alguma! O pequeno coração esfuziante por ouvir a voz calma e suave do Mestre logo ficou em paz e retomou a serenidade que lhe era devida.

E o Grande Mestre, com uma expressão de sorriso de paz olhou pros olhinhos dela e disse: - Tome muito cuidado com esses planos e projetos. Não se precipite porque Estou trabalhando na sua ansiedade. Quando o coração estiver prestes a se desesperar lembre-se que Sou Eu quem cuido de tudo.

E ela, com um pouco de vergonha pelo coração que queria tudo ao mesmo tempo e agora, retribuiu o sorriso amável e entendeu que deveria somente descansar como uma criança dorme nos braços do Pai. E foi nessa hora que decidiu que bom mesmo era ter esperança e aguardar em silêncio a salvação do Mestre.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Ela mal podia acreditar no que os olhinhos dela contemplavam naquela noite de chuva intensa e, sentada com todas aquela pérolas nas mãos, ela agradecia infinitamente ao Grande Mestre Criador que colocara dentro dela um jardim que ainda estava em construção mas até pérola já produzia.

E olhando fixamente nas perolazinhas que o Grande Mestre havia dado a ela era possível perceber que algumas haviam mudado de cor, outras haviam dado cria, algumas estavam brilhando um pouco mais, mas todas aquelas pérolas tiveram igualmente seu brilho acentuado depois que ela passou a dividí-las. Como aquelas perolazinhas haviam se multiplicado tanto... E depressa!!!!

90042501, Gentl and Hyers /Botanica

Anteriormente, quando guardava todas pra ficar olhando sozinha ela já as apreciava, mas agora, agora era diferente. Ela finalmente percebeu que apesar de serem ainda um pouco irregulares e precisarem de certa lapidação tinham a função de alimentar outros e desde que a Amigairmãmaisvelha brigou e teimou para que ela deixasse disponível aquele tesouro ao público e que ela se deixasse levar pelas mãos do Grande Mestre que a ensinava um novo ofício, ela passou a se deixar ensinar mais um pouco e a se dar mais um pouco, a não ter vergonha de compartilhar e de dividir o que tinha de mais precioso, o dom que Ele mesmo havia dado.

Quando recebeu todas aquelas preciosidades nas mãos não eram ainda brilhantes assim porque a ostra que ela era ainda não tinha nada por dentro que pudesse ser aproveitado e as pérolas que produzia eram foscas, não tinham brilho assim como as atuais que segurava. Era nítida a diferença entre as primeiras que fez por si só e as últimas fabricadas com a orientação do Grande Mestre.

Ele havia colocado um brilho ofuscante dentro dela que produziu não só pérolas mais bonitas e consistentes, mas que eram de uma espécie rara que servia para alimento e edificação como ela mesma provara.

Parece que os irmãos mais velhos sempre vêem um pouco além do que a nossa vista dá conta e falam de coisas que ainda não são como se já fossem. E assim numa tarde de chuva que as terras paulistanas guardam todos os dias para lavar seus moradores a Amigairmãmaisvelha discorria longamente sobre como era um desperdício que ficasse aquele monte de pérolas lacradas envelhecendo sem ninguém nunca ter contemplado, se beneficiado e se alimentado delas.

Em princípio ela não achou muito boa a ideia porque gostava daquelas coisas só pra ela e mesmo sendo uma coisa boa ainda tinha certa vergonha da exposição do que ela havia produzido, mas quando a poeira das palavras da Amigairmãmaisvelha abaixou todo aquele texto proferido em forma de exortação ficou vagueando pela cabecinha dela sem querer repousar ou mesmo cair nas águas do esquecimento. Apoiada então naquelas palavras de encorajamento, ela resolveu pelo menos tentar e saiu distribuindo perolazinhas filhas nas mãos de várias pessoas que não se importariam em olhar discretamente e dar algum parecer favorável nem que fosse por consideração.

Essas pessoas que ela conhecia, mesmo sem falar nada, gostavam tanto que distribuíram para outras pessoas que ela não conhecia, que passaram para outras pessoas diferentes até que ela não podia mensurar mais onde havia chegado aquelas pedrinhas reluzentes de ostra que o Grande Mestre trouxe e colocou nas mãos dela. E parecia que quanto mais ela dividia mais lindas elas ficavam.

Não sabendo porém que aqueles glóbulos calcários que se formavam dentro das conchas podiam mesmo saciar fome de alma quando feitas pelo Grande Mestre através das mãos dela, ela foi tomada pela surpresa ao ver que uma das pedrinhas que caíra nas mãos de uma amiga que tinha os cabelos cor de fogo tinha voltado para as mãos do Mestre e não voltara vazia. Voltou em forma de agradecimento.

200553470-001, Sylvester Adams /Photodisc

Era difícil pra ela, que sabia por onde passara anteriormente, acreditar que aquelas pérolas tinham o poder de, pelo menos, fazer refletir. O que ela desejava mesmo daquelas areinhas transformadas em jóias é que tivessem o poder de atrair aquelas pessoas que as contemplavam ao Grande Mestre com cordas de amor como só Ele fazia saber. Isso pra ela era muito mais possível do que o que estava acontecendo agora mesmo, que era que as pessoas gostassem e se alimentassem dessas iguarias. Afinal o Grande Mestre é a única pessoa em todo universo que consegue atrair com cordas de amor qualquer pessoa, e como era Ele mesmo que produzira cada uma daquelas pérolas, pessoas atraídas por laços de amor seria somente consequência do que já era planejado desde a criação do mundo quando a terra era sem forma e vazia.

E ali ela ficou por muito e muito tempo olhando para o rosto do Mestre e imaginando todo o caminho que trilhara e as alegrias e dificuldades do percurso até formar pérola boa e agradável que ainda não era perfeita, mas agora estava muito agradecida com o resultado da inflamação que dá pra que a areia intrusa se torne objeto valioso. Afinal, quem garante que a pequena ostrinha lá no fundo do mar também não sofreu com a irritação da areia para que virasse uma pérola tão linda e brilhante?

200527256-001, George Diebold /The Image Bank