segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Aquela cirurgia decisiva

A surpresa foi tamanha quando se pegou falando de coisas antes intocáveis pra língua dela que foi preciso uma pausa de dois segundos para que pudesse organizar os pensamentos e decidir se continuava ou não o assunto recém iniciado. Como viu que não tinha mesmo volta, que a boca já estava falando de todas as coisas que o coração dela estava cheio, decidiu podar ao máximo os detalhes e guardá-los em local seguro e contar somente como o Grande Mestre a tirou de tamanha enrascada.

Ela contava para uma amiga que ainda não conhecia o Mestre que Ele era tão, mas tão fiel que mesmo ela não sendo fiel o tempo inteiro Ele não podia mudar e permanecia fiel ao lado dela cuidando o tempo inteiro, mesmo que ela não visse Ele continuava lá apoiando e a guardando de coisas piores. O que provocou o impacto da surpresa porém foi poder constatar que estava mais curada do que pensava.

Em tempos que ficaram para trás ela teimou em andar sozinha pelos caminhos tortuosos dessa vida, largou da mão do Grande Mestre, começou a andar devagar e logo depois a correr e caiu com força. E de tão forte que foi a queda machucou muito as perninhas e ficou sem poder andar por muito e muito tempo. Não conseguia se mexer com as pernas daquele jeito e assim ficou paralisada até quase definhar.

107429817, Martin Barraud /OJO Images

Como não podia ver mais onde estavam as mãos do Grande Mestre para que pudesse segurar precisou visitar a Amigamédicadocoração lá nas montanhas belorizontinas porque ela tinha uma ferramenta especial nas mãos colocada pelo Grande Mestre. Com essa ferramenta que se chamava "PalavradeDeusaplicada" a Amigamédicadocoração podia operar coraçõezinhos que não funcionavam direito pelo endurecimento desse mundo e também ajustar pernas que fraquejavam.

Com muita dificuldade ela se pôs a caminho das montanhas para se medicar com essa amiga, pois fora o único lugar que achara o Bálsamo que vinha de Gileade. Chegando na presença da Amigamédicadocoração foi questionada de muitas coisas que não queria responder e inevitavelmente se esquivou. Com toda paciência que os cardiologistas da alma reúnem a Amigamédicadocoração deixou que ela repousasse por um tempo e naquela mesma noite começou uma cirurgia de risco no coraçãozinho em frangalhos que ela possuía. Segundo a Amigamédicadocoração, mexendo naquele lugarzinho do coração as pernas podiam voltar a se firmar novamente.

Ela estava com muito receio, mas como sabia que a Amigamédicadocoração era apenas auxiliar na cirurgia e deu um tempinho na consulta somente para chamar o Grande Mestre para avaliar Ele mesmo o caso ela deixou-se operar por aquela dupla de especialistas.

107429886, Martin Barraud /OJO Images

O Grande Mestre olhou cuidadosamente a lesão, analisou o ferimento generalizado, olhou para a Amigamédicadocoração e disse: - Não tem jeito! A insensibilidade já tomou conta de quase tudo. Se não operar agora mesmo não haverá cura. Mediante esse veredito a Amigamédicadocoração rapidamente reuniu o bisturi de dois gumes que divide alma e espírito, o Bálsamo curador de Gileade das mãos do Grande Mestre e foi habilmente manejando aquela palavra da verdade como uma obreira aprovada até que do rosto dela rolasse uma pequena lágrima.

Para ela, que estava insensível aquela gotinha não era representativa, mas a Amigamédicadocoração olhou para o Grande Mestre e deu um brado discreto de deu certo!! O Mestre por sua vez devolveu um olhar paterno de orgulho e aprovação para a Amigamédicadocoração e parabenizou-a dizendo: - Muito bem serva boa e fiel!!! Agora é só passar o medicamento pós operatório.

E ela, recém-operada, sabia que se levantava do banco daquele carro, que havia virado mesa de cirurgia, muito diferente do que se sentara, mas não podia mesmo ver mudança significativa ainda por causa de toda lama nos olhos. Nessa hora a Amigamédicadocoração a segurou num forte abraço e disse: - Se quiser já pode tentar firmar as pernas. Elas já estão preparadas para aguentar com força o peso do corpo todo.

Ela sem saber muito o que fazer na hora tentou firmar e viu que já podia caminhar um pouquinho, mesmo que com dificuldade de locomoção, mas naquela hora deixou-se abraçar pela equipe médica que a havia operado e aí sim o rosto molhou-se por completo mostrando que a Amigamédicadocoração tinha razão: a sensibilidade estava voltando.

No outro dia, porém, as estradas paulistanas a aguardavam e ela não pôde ficar mais tempo para ter o acompanhamento intensivo que precisava no pós-operatório. O Grande Mestre decidiu então que Ele mesmo faria a remoção e cuidaria pessoalmente dela. Porém a visão dela ainda estava embassada e não via o Mestre em todo o seu caminho com clareza.

Foi então que mesmo sem ela sentir Ele a tomou pela mão e a entregou nas mãos da Amigairmãmaisvelha que cuidou para que a sensibilidade ficasse confortável naquele coraçãozinho recém-operado e não fosse embora mais, mas trouxesse a voz do Grande Mestre cada vez mais pra dentro. A Amigairmãmaisvelha fez com que a boca cantasse coisas que ainda não estavam no coração até que o coraçãozinho remendado entendesse e guardasse em lugar seguro que ele era de fato livre.

Depois disso a Amigairmãmaisvelha segurou a mão dela, apoiou o cotovelo, a colocou de pé e fez com que ela entregasse o caminho dela ao Grande Mestre e confiasse Nele para que Ele pudesse fazer o resto. Assim ela o fez e o Grande Mestre buscou a Amigamãedetodas para que ensinasse a ela como era o caminhar em caminhos retos e claros como a luz do meio dia.

Durante muito tempo ela não podia dar nenhum passinho sem a ajuda e o apoio da Amigamãedetodas que, como enfermeira dedicada fazia tudo que o Grande Médico dos médicos ordenava. Assim, depois de alguns pratos de comida boa, com os olhinhos mais claros, sem lama, ela conseguiu ver o Grande Mestre de braços abertos esperando um abraço dela. Sem nem pensar meia vez ela deu um pulo e ensaiou uma pequena corridinha para os braços Dele e quase caiu em cima dos joelhos pela fraqueza das pernas que não estavam acostumadas com esse tipo de estripulia.

rbk2_07, Photodisc /Photodisc

A Amigamãedetodas colocou as mãos para apoiar o passinho de fé dizendo que de joelhos é sempre melhor. Foi então que o Mestre colocou a mão nas pernas dela firmando-a na Rocha viva e ela saiu correndo e se pendurou no pescoço Dele abraçando-O longamente e desejando nunca mais sair daquele abraço e Nele permaneceu por todos os dias da vida dela.

86433499, Smith Collection /Iconica

Naquela tarde de crepúsculo perfeito e indescritível, ali sentada no banco de madeira contando algumas coisas que havia vivido para aquela amiga que ainda não conhecia o Grande Mestre a saudade das amigas que cuidaram tão bem dela, principalmente da Amigamédicadecorações que estava longe, tomou conta não só do coração cicatrizado, mas do cérebro todo e ela sorriu saudosamente.

Agora ela podia ver melhor e entender bem que ela havia passado muitas coisas difíceis para ajudar outras pessoas que precisassem de algum apoio para se levantar algum dia como a Amigairmãmaisvelha fez com ela. E a cirurgia do coração que refletia nas pernas era uma preparação para que aguentasse a caminhada longa e, em alguns trechos, pesada que estava por vir. Em silêncio então, com um aceno de olhar ela pedia ao Grande Mestre que, uma vez que ela estava de novo em pé, a ajudasse para que não caísse novamente. Ele a olhou respondendo aos olhinhos dela que bastava descansar, pois aos seus amados Ele dá enquanto dormem. E ela descansou irrompendo numa sonora e gostosa gargalhada.

102135430, Melinda Black /Flickr

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Com o turbilhão que o fim das férias escolares traziam o tempo escorria pelos dedos dela sem dar tempo de, pelo menos, varrer as folhas do calendário que passavam por ela sem parar. Nessas épocas o trânsito piorava, o metrô enchia mais, a casa que habitava não a via e nem mesmo podia desfrutar da compania dos pais como antes.

No meio de toda essa correria e de muitas vozes chamando o nome dela incessantemente era inevitável que fizesse algumas coisas e abandonasse outras que gostava muito. A intensificação da rotina trouxe um copinho a mais de cansaço pra ela beber e vinha tendo mais sono do que normalmente já tinha. Estava feliz apesar de tudo porque o Grande Mestre a ajudava com todas essas coisas e carregava uma boa parte do cansaço dela pra Ele.

Com tudo isso acontecendo ao mesmo tempo agora ela se esqueceu como era boa e de qualidade refinada a compania da Amigamãedetodas, que não encontrava há tanto tempo e agora ela se deliciava com a amiga do outro lado do fio do telefone. Nos tempos em que a aula não a chamava, em que não havia trabalhos a entregar e nem relatórios escolares a se preencher era muito mais fácil aproveitar a compania daquela amiguinha que era tão preciosa pra ela. Era até difícil de colocar em palavras tudo que aprendera com a Amigamãedetodas e aproveitava para aprender ainda mais.

Não havia motivo específico para conversarem. Aproveitavam ao máximo para rir até a barriga doer. Isso era muito fácil com a Amigamãedetodas, que ria com força de todas as coisas engraçadas que elas mesmas produziam. E não conseguiam para de rir nunca até perder o fôlego e criarem mais alguma coisa engraçada demais para rir baixo.

Pra ela era tão fácil identificar na vida da Amigamãedetodas a voz potente do Grande Mestre mesmo que fosse em meio a brincadeiras que ficava sempre atenta ao menor sinal possível. O respeito pelas coisas que a Amigamãedetodas falava era tamanho que ela não ousava nem contar todas as coisas que tinham acontecido na vida dela como fazia às vezes com a Amigairmãmaisvelha. Ela sabia que conversa entre irmãos era diferente e pensava que seria bom pra Amigamãedetodas ser poupada dessas aventuras que o Grande Mestre não participava.

Quando elas conversavam ali naquela noite estrelada e risonha era como se o Grande Mestre colocasse uma lanterna bem potente na mão da Amigamãedetodas, que a segurava firme e ia andando pelos assuntos sobre os quais conversavam e ia iluminando pontos que ela ainda não tinha visto com tamanha clareza e luminosidade mudando a opinião dela sobre muitas coisas sobre as quais não tinha pensado daquela forma. As palavras saíam da boca da Amigamãedetodas com a simplicidade da criança que todos têm que se tornar para entrar na casa do Grande Mestre e entender o que Ele realmente quer dizer e iam se fincando na terrinha tratada do coraçãozinho dela.

E ela, com todo brilhinho que podia reunir nos olhos ficava ali sentada aos pés daquela porta-voz do Grande Mestre que a Amigamãedetodas se tornara e aproveitada cada palavrinha daquela sabedoria que foi colocada pelo Grande Mestre no coraçãozinho da Amigamãedetodas que falava sem parar.

Assim foi se passando o tempo e as voltas do relógio se acelerando até que se deu conta que já era quase dia seguinte e teria que encerrar o papo gostoso que era produzido pelas duas. Com pesar de ter que desligar o aparelhinho que esquentava a orelha dela se despediu da voz agradável da Amigamãedetodas e com o coraçãozinho pulante de felicidade por tantas coisas boas que o Grande Mestre vinha fazendo na vida de ambas ela se entregou aos braços da cama que a acolheu sem sequer pestanejar.

98213111, Dalla / Salbjörg Rita Jónsdóttir /Flickr

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Os olhos dela pesavam cerca de uma tonelada naquela noite com todo sono que pudera acumular em cima deles, mas não conseguia parar de pensar, se desligar do mundo ao seu redor e dormir. Segundo o rosto dela, tudo o que o corpo mais precisava era ficar quieto, não precisava fazer nada, somente se deixar pesar na cama, mas ela pensava em tudo quanto havia na face da terra não deixando o cérebro desembestado ordenar que parasse tudo por hoje. E no meio de tudo que havia na face da terra um pensamento em específico a incomodava um pouco e ela começou a discorrer sobre esse assunto com a única pessoa que a ouvia incondicionalmente e em todas as horas: o Grande Mestre.

84428594, Peter von Felbert /LOOK

Desse assunto surgiu outro e depois outro e ainda mais outro. Depois de pensar muito a respeito de todas aquelas promessas que Ele havia feito sobre tantas coisas diferentes e que eram muito grandes para a cabecinha limitada dela entender ela simplesmente disse que confiava Nele. Mesmo que não soubesse onde colocar o pé para dar o próximo passo ela continuava confiando Nele. Mesmo não entendendo muitas coisas ela continuava confiando Nele. Mesmo que de vez em quando pudesse surgir alguma nuvem de dúvida querendo fazer sombra no coração dela para não ver o sol, ela continuava confiando Nele, afinal de contas em muitas noites de verão o céu iluminado de pontinhos brilhantes fica encoberto de nuvens, mas as luzinhas continuam lá, em cima das nuvens e ela tinha certeza disso.

Naquela conversa com o Grande Mestre ela entendeu que se ela ainda não sabia onde colocar o pé para dar o próximo passo era porque aquela era hora de ficar parada por mais um tempo, não era hora de colocar o pé em lugar nenhum a não ser onde eles já estavam. Toda essa coisa de ficar parada, porém, trazia ao coração dela muita inquietação. Quem tem foguetes dentro não se aguenta em silêncio. Ela queria ouvir a voz do Grande Mestre, queria ficar perto Dele, sentir a presença Dele, sentir o hálito Dele de tanta proximidade.

Num sorriso discreto o Mestre a olhou e pediu que ela entregasse toda aquela inquietação nas mãozonas Dele porque Ele vinha cuidando dela continuamente e os foguetes dentro dela eram somente para alegria e festa, não tinham a finalidade de inquietar coração nenhum, nem mesmo o dela.

Quase que não acreditando em tamanha tolice de reter uma espécie de foguete que quase lhe queimou as mãos ela sorriu um tanto quanto sem graça, colocou a mão no peito, arrancou do coração toda sorte de foguetes e entregou nas mãos do Grande Mestre.

O Grande Mestre, por sua vez, tomou aquilo e colocou num cálice como se fosse uma oração recolhida e disse a ela que esperasse mais um pouco e não deixasse jamais de perseverar porque a perseverança produzia a paciência. A paciência depois de instalada e acomodada mandava buscar a experiência, que trazia consigo a esperança.

A esperança, aquela senhora velhinha sentada numa cadeira de balanço, trazia ao coraçãozinho outrora inquieto o renovo e a fé que ele precisava para poder abrir mão da preocupação e voltar a sorrir serenamente. Depois de discorrer sobre todas essas pequenas inquietações e de ver o rosto cada vez mais amável e apaixonante do Grande Mestre a olhar pra ela com carinha de pai cuidadoso o cérebro pensante incansável finalmente entendeu que já poderia ordenar ao corpo que se largasse na cama, pois melhor do que fechar os olhos e dormir era repousar nos braços fortes de um Grande Mestre Pai Zeloso.

96958908, By Jekaterina Nikitina /Flickr Select

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

ELE acalma a tempestade

O calor escaldante daquele sábado havia deixado a pele dela de uma cor que não lhe pertencia. Como não bastasse o ardor do sol se transportou para as costas dela e queria a qualquer custo morar ali pra sempre, mas como era pesado carregar o sol nas costas ela passava muito creme afim de que ficasse pelo menos mais leve. Em princípio não adiantava muito, mas ela continuava tentando sem pretensão de desistir.

O dia tinha sido cansativo, mas os foguetes dentro dela nunca se apagavam e mesmo quando as forças de todos os amigos tinham acabado as forças dela estavam pipocando por dentro porque ela confiava no Grande Mestre. E era Ele que renovava as forças que ela usava, pois quem confia no Grande Mestre tem as forças renovadas e podem subir bem alto com asas como as das águias, podem correr sem ficar exaustos e caminhar sem ficar cansados.

E foi assim, sem ficar cansada, que correu pra cima e pra baixo o dia todo sem parar. Uma das amigas estava estatelada no banco traseiro e não tinha forças nem pra rir mais tamanho era o cansaço. As risadas tinham ficado ao longo do dia. No banco do motorista, bem ao lado, estava a amiga que dirigia concentrada na estrada à frente. E ali no carro, as três tentanvam, de alguma forma, não cair no sono.

BD6352-001, Dan Kenyon /Stone

Como ela estava agitada demais para aquietar o coração puxou duas ou três brincadeiras até que as amigas se renderam e logo depois pararam de brincar. Puxou uma ou duas músicas, mas não teve muita adesão. Ela sabia que o dia tinha sido cansativo, mas ela mesma não estava cansada. Foi então que olhou para a janela que quase se rompia com a força da recém chegada chuva que se lembrou que o Grande Mestre estava sempre disposto a conversar e brincar.

Na mesma hora que começou a conversar com o Grande Mestre a chuva aumentou quase invadindo o carro e o coraçãozinho dela foi tomado por uma nuvem de medo. Com um pouco de vergonha pelo fato de as amigas não saberem as letras que estava prester a entoar decidiu se comunicar com o Mestre por canções. Começou então a balbuciar uma musiquinha em inglês blessed are those who dwell in Your house...mas como não se lembrava muito bem da letra inteira se permitiu a cantar o que quisesse. Ou melhor, a cantar o que Ele quisesse.

Assim que ela abriu a boca o silêncio simplesmente tomou conta da boca das amigas e parecia que ali, naquele carro,só havia duas pessoas: ela e o Grande Mestre. E a voz dela tomou impulso e subiu um degrauzinho de empolgação por poder ministrar ao coração do Mestre e saiu limpinha numa velha canção de agradecimento.

97942742, Paul Viant /Photographer's Choice RF

Assim que o Mestre viu aquela cena abriu a mão, recolheu aquela pequena perolazinha e guardou-a no coração Dele. Logo depois Ele estendeu novamente a mãozona Dele e recolheu a nuvem que pesava sobre o carro e recolheu com a nuvem toda chuva levando junto no pacote a sombra de medo que tinha no coração dela porque ninguém podia resistir ao braço forte Dele.

Entendendo muito bem que o Grande Mestre sempre cuida ela só podia olhar pra Ele e sorrir um agradecimento cantado.

75355043, Steve Wisbauer /Digital Vision

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Olhando fixamente para os pés de unhas carmesim ela se colocava a pensar que não tinha mesmo que usar aquela cor nos pés. Ela estava acostumada a passar sempre esmaltes cor de renda branca e aquela cor fortemente vermelha estava no mínimo estranha segundo ela. Não teve escolha porém, uma vez que uma das unhas estava completamente roxa.

86163804, Verity Jane Smith /Workbook Stock

Analisando cuidadosamente os pés podia ver a marquinha de cada calçado que usara nas últimas semanas. Aquele sapato laranja que gostava tanto e se achava mais moleca em cima dele deu-lhe algumas picadas de inseto por ser muito aberto. Como tinha alergia aos bichinhos picadores o surto se foi e as marquinhas permaneceram branquinhas como se fossem desenhadas de corretivo.

Aquele outro lindo sapato cor de rosa cintilante com um laço dourado, por ser de borracha, lhe dera uma unha bem roxa, a mesma que tentava esconder com esmalte vermelho e que, segundo a Amigairmãmaisvelha era "sangue pisado" já que estava no pé, e se acumula não se sabe bem porque ou então ela não entendera muito bem a explicação da mãe inteligente que tinha.

Podia ver o resultado do uso do tênis que apesar de confortável lhe dera o derretimento de alguns pontinhos de esmaltes. Via também um pouco dos sapatos que trocava constantemente no trabalho e ainda a temperatura que as pantufas lhe deram. Sorria consigo mesma e lembrava que o Grande Mestre vinha com os pés de latão reluzente e pensava como seria possível aquilo, como seria um sapato desse material.

De tanto pensar nos própios pés, na ossatura irregular do pé dela e como ele estava calejado e em alguns pontos até doloridos encaminhou os pensamentos para os pés do pai e de todas as pessoas que conhecia para compará-los. Achando aquilo um tanto quanto engraçado sabia que o pé dela era a réplica do pé do pai e, como toda boa réplica, só um pouquinho menor. Tirou os pensamentos dos pés e o passou rapidamente para cada sapato que já tinha usado, desde quando era menina pequena até o dia que se chama hoje.

Foi nessa pequena viagem ao mundo dos pés e dos sapatos que de repente se pegou sorrindo toda por dentro, pois havia entendido que os pés daqueles que anunciam as boas notícias que o Grande Mestre traz são formosos. Eles andam de um lugar para outro sem parar anunciando o que o GrandeMestre diz e são bem recebidos com essências perfumadas por Ele. Era o Mestre mesmo quem cuidava dos pezinhos formosos e fazia com que eles fossem perfumando cada pedacinho que pisavam.

90206270, altrendo images /Stockbyte

Os sapatos que Ele havia projetado eram feitos com a preparação do evangelho da paz e era o Grande Mestre mesmo quem confeccionava esses sapatos e cuidava de todo o processo para que a caminhada fosse saudável.

Não fora mencionado qualquer tipo de facilidade, mas com Ele guiando tudo ficava mais leve e suave. O Mestre sabia que a caminhada muitas vezes apresentava obstáculos difíceis e na maioria das vezes era longa porque para quem está andando ou correndo constantemente a caminhada ficava mais puxada depois um determinado ponto da estrada.

89446318, Asia Images /AsiaPix

Foi por isso que Ele disse que nunca, jamais abandonaria os que são Dele mesmo que fossem caminhadas de curta distância. E mesmo que os pezinhos começassem a doer o Grande Mestre já tinha levado sobre Ele todas as dores e isso aliviava ainda mais o trajeto.

Rodeando todos aqueles sapatos e pés históricos se pôs a pensar nos caminhos que os pezinhos dela vinham traçando ultimamente. De alguns deles se orgulhava profundamente. De outros, apesar de não ser exatamente o que queria e esperava não sentia vergonha de ter colocado seus pés ali. E só de não ter vergonha de um feito, ou de um caminho, já era por si só um sucesso.

Lembrou do dia em que o Grande Mestre mesmo em pessoa a tomou pela mão, colocou um anel no dedo dela, deu um banquete porque ela tinha voltado e colocou sandálias bem novas e reluzentes nos pés dela para que ela usasse em todo caminho que pisasse e para que ela se lembrasse de manter os pés sempre limpos mesmo que fosse obrigada a passar em caminhos sujos e ficou feliz por Ele mantê-la limpinha.

Afastando aqueles pensamentos ela agradeceu ao Grande Mestre Sapateiro os sapatos novos com um forte abraço e beijou-O longamente. Se levantou dali e foi mais do que depressa limpar os pés e cuidar deles, pois os sapatos que o Grande Mestre tinha feito pra ela não era visíveis de primeira, somente depois de um tempo de observação e ela queria que as pessoas vissem seus sapatinhos novos em cada detalhe que o Grande Mestre, com perfeição, tinha colocado.

91277231, Tammy Bryngelson /iStock Exclusive

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Algumas figurinhas trocadas

Ao descer a rampa vagarosamente à procura da sobrinha que teimava em crescer depressa demais para que ela pudesse acompanhar, mas que ela amava tanto que não deixava de ver como criança eterna, percebeu alguém chamando de longe. Deu uma olhada geral para os lados mas não viu ninguém realmente conhecido até que a Amigairmãmaisvelha tocou no braço dela e lhe ofereceu um sorriso do tamanho do universo.

A dificuldade em reconhecer o rostinho familiar da Amigairmãmaisvelha era por causa da moldura que tinha naquela manhã ensolarada. Era raro a Amigairmãmaisvelha ter o cabelo esvoaçante ao vento como estava, mas também era domingo, oras. É que isso era diferente pra ela. Geralmente a Amigairmãmaisvelha tinha a primavera inteira na cabeça o ano todo e fazia reluzir o cabelo por onde passava. Ela sabia que era diferente demais para qualquer pessoa, mas não para a Amigairmãmaisvelha.

56007165, altrendo images /Altrendo

Naquela doce e quente manhã de domingo a Amigairmãmaisvelha tinha pressa, muita pressa, mas isso não a impediu de abraçá-la longamente. E ela se lançou naquele abraço sem questionar absolutamente nada e achando ótimo o simples fato de ver a Amigairmãmaisvelha. Depois de observar um pouco mais ela já achava que naquela manhã a Amigairmãmaisvelha estava com o papel principal de esposa dedicada e ficou muito alegre pelo contexto inteiro da coisa. Muito feliz em abraçar a Amigairmãmaisvelha e ansiando achar a sobrinha de olhos de piscina deu de ombros e se deu por satisfeita quando a Amigairmãmaisvelha simplesmente tocou a ponta do nariz dela e sumiu porta afora. E ela, por outra porta oposta, desceu sumindo dali também para achar a menina dos olhos de piscina, que parecia estar brincando de pique-esconde e ter se escondido muito bem.

O que não sumia por muito tempo e nem ousava se esconder dela, porém, eram aquelas palavras que a Amigairmãmaisvelha depositara nos ouvidos dela naquela tarde de comida de palitinhos no local mais movimentado que frequentavam utimamente.

Era tarde de troca de figurinhas e elas trocaram muitas figurinhas inéditas pra ambas por um longo tempo que parecia não ter durado mais do que dez minutos tamanha fora agradável aquela brincadeira. A Amigairmãmaisvelha falava sobre grandes obras e construções que o Grande Mestre vinha fazendo na vida dela nesses anos em que decidiu andar do lado Dele e deixar que Ele a guiasse por onde quer que andasse. Contou também sobre batalhas épicas e bocas que não conseguiam esconder a verdade mesmo que quisessem muito, pois o Mestre não deixava e isso era até engraçado em alguns contextos. Contou muitos e muitos grandes feitos que só o Grande Mestre poderia ter feito e que se qualquer pessoa tentasse contar não caberia em nenhum livro do mundo inteiro.

92912653, Paul Viant /Photographer's Choice

Daquela longa troca de figurinhas, porém, as figurinhas que ela mais segurava, olhava, formava ideias a respeito e não sumiam jamais do pensamento eram as figurinhas dos presentes.O Grande Mestre havia dado a ela dois presentes. Esses presentes deveriam ser abertos, apreciados, usados e, logo em seguida, distribuído a outras pessoas, mas ela os abriu, usou e teve receio e um pouco de vergonha de usá-los.

Enquanto a Amigairmãmaisvelha falava e descrevia cada presente, na mesma hora sentiu vergonha por não ter passado à frente uma dádiva tão grande que o Mestre havia dado. Pensou que não queria ter vergonha de usar algo que o Grande Mestre presenteou. Se mesmo quando não gostamos de algum presente que alguém dá usamos só pra pessoa se sentir importante, quanto mais algo que tinha amado ganhar e ainda mais do GRANDE MESTRE!! - pensava ao deixar as palavras da Amigairmãmaisvelhas caírem na terrinha tratada do coração dela produzindo aqueles pensamentos que a levavam pra longe sem sair daquela explicação sobre árvores e frutos que a Amigairmãmaisvelha dava com a paciência peculiar que a Amigairmãmaisvelha sempre carregava, pelo menos com ela.

Pôs-se a pensar naqueles presentes tão lindos que tinha nas mãos. Um dos presentes ela amava muito, aliás, os dois ela amava muito, mas um deles ela poderia distribuir sem precisar que as pessoas soubessem que era ela quem estava distribuindo. Isso trazia uma sensação de segurança que a Amigairmãmaisvelha teimava em desconstruir. E ela, como aprendiz de irmã mais nova, teimava em acreditar. Esse presente poderia ser carregado e lido como a Carta de Amor Pra Nós, que o Grande Mestre mesmo havia escrito. Essas coisas todas traziam empolgação ao coração dela e continuava a ouvir aquelas coisas e a colocar o cérebro Turrão pra trabalhar numa forma de realmente distribuir frutos.

6614-000055, Jae Rew /Photonica
O outro ela tinha, necessariamente, que levar e entregar nas mãos de cada um pessoalmente, mas a única vez que ela tinha feito isso foi nas mãos do Grande Mestre e naquelas mãos ela podia confiar, como confiava. Era esse dom que ela usava para brincar e rir com o Grande Mestre até doer a barriga, era esse dom que ela usava para se distrair, era esse dom que ela usava para se aproximar do Mestre que falava muito mais quando ela abria a boca e usava esse dom, era esse dom enfim que tinha mais receio de colocar pra fora em público. Esse dom era extremamente divertido e ela usava e abusava dele, principalmente quando estavam só ela e o Grande Mestre.

Foi esse dom que ela usou para parar de uma vez por todas o temporal na estrada quando começou a sentir medo. Todos se calaram e ela começou a ministrar ao coração do Mestre como se estivesse sozinha no carro. Antes mesmo que parasse de bendizer ao coração do Grande Mestre o temporal parou, igualzinho Ele fez no Mar Galileu. Mesmo assim, com tudo isso, ela ainda estava reticente em dividir esse dom com alguém por achar que não seria capaz de reproduzir com perfeição o que Ele queria dizer ou mesmo o que queria passar.

88794861, Inti St. Clair /Photodisc

Esse filme se passava na cabeça dela enquanto, numa cena recorrente nos últimos dias, ela olhava fixamente mais uma vez praquelas figurinhas que a Amigairmãmaisvelha tinha dado nas mãos dela. Enquanto isso pedia que o Mestre que a ajudasse a ter uma ideia de como faria para distribuir esses presentes e na mesma hora algumas começaram a brotar.

Distribuiu para algumas pessoas o endereço de onde poderiam encontrar aqueles frutos fresquinhos que pudessem comer e aproveitar para matar a fome. Mesmo sabendo que nem todos queriam ou precisavam comer ela estava feliz em publicar onde encontrariam, caso quisessem.

E dessa forma o Grande Mestre foi trabalhando mais profundamente a terra do coração dela para que Ele mesmo usasse o dom que deu a ela. E ela entendeu que, como o presente quem dá é Ele, Ele se empenha em cuidar e colocar cada um no lugar certo e na hora certa. Estava feliz por isso e agradecia ao Mestre continuamente por cuidar tão bem dela. Mesmo quando ela achava que poderia fazê-lo por ela mesma.

97683967, sholgk /Flickr

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Cada volta é um recomeço...

E fila era o tipo de coisa de que ela não se agradava nem um pouco, mas pelo menos estava na compania das amigas que não via há tanto tempo. Naquela turma de apenas três que compunham ela ainda era a amiga irmã mais velha, mais chata que pegava no pé e ao mesmo tempo em que estava com saudades das meninas estava também com receio de voltar para aquele mundo, pois não era mais a mesma pessoa. Além disso, cada volta era um recomeço e voltava naquele dia a estudar e a conviver com a sala que deixara no ano passado.

As amigas estavam ali na fila, que estava simplesmente enorme, por causa dela que teve um acesso bloqueado sabe-se lá porque. Mas conversavam e falavam tanto que nem viu o tempo passar com a vagareza com que realmente se arrastava e estava feliz por não ter que passar aquelas quase duas horas em pé sozinha.

Antes de entrar, porém, e encontrar as duas que compunham, naquele lugar, o tripé do qual fazia parte ela havia tido uma looooonga conversa com o Grande Mestre e tinha falado com Ele que, apesar de ter se comportado relativamente muito bem naquele lugar durante todo o ano que passou queria ser diferente porque agora ela mesma era diferente.

200258102-001, Kaz Mori /Taxi

Foi lá mesmo que ela aprendeu o que era sujar a boca com palavras que eram tão comuns naquele reino, mas que ficavam estranhas na boca dela, pois não foram feitas pra ela. Como a linha entre a convivência e a contaminação era muito tênue não pensou nem meia vez em se igualar à maioria e a sujar cada vez mais a boca e se sujou mesmo com aquele manto escroto de palavras torpes por um bom tempo até começar a cantar que era livre e foi mesmo livre.

Naquela fila infinita para a retirada de um simples acesso mesmo com o olhar longe prestava a máxima atenção possível nas palavras que saíam da boca da amiga que tinha os cabelos meio cor de fogo, meio cor de sol, não sabia dizer ao certo, mas era bonita aquela combinação e ao mesmo tempo diferente. A amiga contava sobre o término do namoro e como tudo começou a ruir com o menino que achava que era o mais lindo da vida toda!

À medida que a amiga dos cabelos cor de fogo ia falando era como se ela fosse aos poucos transportada para aquele dia no semestre passado em que tinham que terminar um trabalho urgente e estavam correndo com toda parafernalha de ossatura pra cima e pra baixo e o menino que a amiga dos cabelos cor de fogo achava que era o mais lindo da vida parou e se pôs a espancar com palavras muito duras o amigo dele que era mais chegado como irmão desde muito tempo.

Isso trouxe muita indignação tanto a ela quanto a outra amiga e não quiseram mais conversar nem com o menino mais lindo da vida e nem com o amigo mais chegado que irmão. Naquela ocasião nem ela nem a outra amiga puderam falar nada a não ser comentar entre si, pois puderam perceber que nos olhos da amiga dos cabelos de fogo havia uma lente bem parecida com a que as pessoas que não enxergam bem usam, mas só que fazia o efeito contrário e a cegava de muitas coisas evidentes, inclusive que o menino mais lindo da vida era na verdade como um sepulcro vazio e fedia muito por dentro. Não havia sequer a vida normal de criatura que o Mestre criara naquele corpo que era belo pelas lentes que cegavam.

Subindo a rampa e discorrendo sobre aquelas coisas, ouvindo cada vírgula perguntou suavemente: "queria só desabafar ou quer minha opinião?" - timidamente a amiga dos cabelos de fogo se encolheu um pouco e disse em um tom abaixo: "sei que vai doer, mas quero opinião..." Nessa hora o pulmão buscou do fundo da alma uma bola de ar que veio com tudo e saiu pela boca dela no seguinte som suave: "eu não sei como, nem quando e nem porquê, mas se eu fosse você me colocaria agora mesmo com as mãos para o alto e agradeceria em alto e bom som porque o Grande Mestre, que te ama muito, te salvou a tempo e não aconteceu nada demais. Você á muito boa pra ele, só falta acreditar nisso!" 

107690953, Vietnam /Flickr

Na mesma hora o constrangimento tomou conta da face já naturalmente vermelha da amiga dos cabelos de fogo que com a boca trancada dispersou o olhar afim de assimilar o que tinha acabado de ouvir. Ela mesma achava estranho que tivesse começado a falar e não parasse nunca mais, pois tinha prometido a ela mesma que nunca mais se meteria naquela vida de amiga que aprendera a amar e que não queria intromissão, mas não se continha.

A amiga dos cabelo cor de fogo era bonita e simpática, mas não acreditava nisso porque a alma dela tinha sido pisetoada e quase morta quando era uma menininha pequena e pelo tamanho do pisoteamento achou que nunca mais fosse sarar, que ia mesmo morrer, mas mesmo sem que ela conhecesse o Grande Mestre ainda, Ele cuidava da amiga dos cabelos cor de fogo e soprou nas narinas da amiga dos cabelos cor de fogo o tanto de fôlego que foi deixado, pois estava muito fraca e não conseguia sequer receber o cuidado que precisava e mesmo que quase morta pôde viver com aquele golinho de ar que tinha tomado na alma.

E assim a amiga dos cabelos cor de fogo vinha tentando se curar e se reerguer por todo esse tempo dede então. É fato que já conseguia falar um pouco, já conseguia fazer muitas coisas que os filhos do Grande Mestre faziam, mas a amiga dos cabelos cor de fogo não tinha ainda a marquinha da promessa que Ele deu pra ela mesma e pra Amigairmãsensata, por exemplo. E era essa marquinha que fazia com que os olhos abrissem e com que a alma curasse.

Como tinha os olhinhos fechados ainda a amiga dos cabelos cor de fogo não via muitas coisas e ia andando tateando pela vida e fazendo mais marcas ainda na sua alminha que nunca se recuperou daquele acidente grave com mãe. E ela olhava pra amiga desejando que o Grande Mestre tivesse pelo menos uma oportunidade, mínima que fosse de se apresentar e falar pelo menos oi sem ser repelido, mas não estava na hora ainda.

Ela sabia que a amiga dos cabelos cor de fogo não sabia disso, mas o Grande Mestre tinha assistido as todas as coisas que aconteceram e estava ali tão perto, tão do lado dela que deu vontade de ela gritar: "olha pra Ele!!! Ele tá te olhando!!" Mas se controlou e não o fez ainda. Decidiu que ainda era muito cedo para amedrontar a amiga dos cabelo cor de fogo que acabara de reencontrar e não queria que se afastasse. Afinal, ela mesma esteve por todo aquele tempo longe do Grande Mestre e sabia que agora, naquele lugar que estava ela era quem carregava a Arca da presença do Mestre e não podia deixar que não fosse notada por ninguém.

Parou por um instante, puxou mais ar para acalmar o cérebro frenético por fazer tudo ao mesmo tempo e contou um pouco do que tinha feito no dia anterior para arrefecer os miolos. Olhou pro Grande Mestre de canto de olho, deu uma piscadinha e apontou pra amiga dos cabelos cor de fogo meio que dizendo: "o que eu faço agora?" esperando um sinal verde que saberia que precisaria plantar para ver nascer ao mesmo tempo em que torcia para não demorar nada e sorriram juntos, ela e o Grande Mestre esperando para fazer a melhor apresentação que amiga poderia ter na vida. Mas por enquanto tinha só que ter esperança e aguardar em silêncio Nele...

106628922, Chris Williams Black Box /Lifesize

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Uma receita diferente

As palavras faltavam completamente pra descrever como apreciava a compania da Amigairmãmaisvelha. Achava a irmã divertida e séria ao mesmo tempo e isso acabava por ser muito engraçado no fim das contas. Ela ficava tentando segurar o riso diante do empenho da Amigairmãmaisvelha em acompanhar a velocidade do sotaque dela, que formava ininteligíveis regionalismos às vezes e a Amigairmãmaisvelha mesmo com o ouvido afiado como faca de dois gumes pedia para repetir. A Amigairmãmaisvelha chegou na vida dela primeiro e foi a Amigairmãmaisvelha que trouxe para perto dela a Amigamãedetodas e a Amigairmãsensata.

Logo depois de se instalar no coração remendado que ela tinha naqueles tempos a Amigairmãmaisvelha se ausentou e saiu de órbita por muito tempo deixando aquele lugar aos cuidados da Amigamãedetodas que foi tratando de abrir as janelas para o sol entrar, tirar a poeira de cima do piano que tinha no coração dela e preparar o instrumento de cordas que tinha na garganta dela para que voltasse a funcionar perfeitamente. E ela, apesar de sentir muita falta da Amigairmãmaisvelha aproveitou para grudar na Amigamãedetodas e aprender o máximo que podia com aquela sábia pessoinha que deixara o sol entrar na casa do coração.

107669572, Alberto Guglielmi /Taxi

Depois a Amigairmãmaisvelha voltou de vez e as outras; ela, Amigairmãsensata e Amigamãedetodas, já tinham criado vínculo poderoso e aprendido a rir juntas e provar e ver que o Grande Mestre é bom. A Amigairmãmaisvelha então sentou-se no seu lugar novamente e desde aqueles tempos que a Amigairmãmaisvelha voltou elas só saiam em grupo, e em grupo todo mundo é muito diferente.

Para ela, que amava muito a todas, aquelas reuniões com as amigas não tinham nem como serem mensuradas de tanto que valia a pena. Ela aprendia muito com as amigas que eram extremamente usadas pelo Grande Mestre e aprendeu também, desde muito cedo, que as amigas sabiam como rir de verdade e riam com gosto, o que ela mesma adorava. Assim apreciava cada segundinho daqueles encontros como se fossem os últimos para sempre, mas com a graça que o bondoso Grande Mestre dava eles sempre se repetiam para alegria e edificação dela.

Naquela tarde quente de verão, porém, ela e a Amigairmãmaisvelha estavam de frente uma pra outra e conversavam só entre elas. Como toda boa irmã mais nova ela já tinha aprendido exatamente o que dizer pra convencer a Amigairmãmaisvelha a fazer o que ela queria e se aproveitava assim ao máximo daquela compania.

200451532-001, Thomas Northcut /Digital Vision

Conversa de irmão era muito diferente de conversa de mãe e ela aprendeu isso muito cedo quando, vez por outra, saía do quarto dela, da cama dela e ia pra cama do irmão no quarto ao lado e ficavam ali conversando por muito e muito tempo até quase amanhecer o dia, mesmo que no outro dia tivessem aula pela manhã. Ela se riu por dentro enquanto lembrava com carinho do rosto do irmão que dizia: - Mas não conta pra mamãe! e ela respondia: - Tá, mas você também tem que prometer que não vai contar! E assim firmavam um acordo que parecia ser mais um tratado entre nações, de tanta importância que tinha para ambos aquela palavrinha empenhada.

E foi assim que se sentiu naquela tarde de verão barulhenta manuseando com cuidado os benditos chopsticks no shopping e se entupindo de comida japonesa, que era a melhor no mundo pra ela, como se tivesse no quarto da irmã. A diferença ali é que naquela mesa ela estava aprendendo a ser irmã mais nova, o que não era muito comum pra ela, que aprendeu a vida toda com o irmão mais novo que tinha a ser irmã mais velha e orientar ao invés de ser orientada.

Enquanto a Amigamãedetodas somente avisava uma única vez com todo carinho e amor do mundo o que quer que tivesse para falar e depois entregava nas mãos do Grande Mestre para que Ele mesmo cuidasse, a Amigairmãmaisvelha, sabendo que o cérebro pensante era turrão era firme ao falar e incisiva no que precisava ser dito argumentando com coisas que o cérebro pudesse assimilar melhor. Ela olhava para os olhinhos grandes da Amigairmãmaisvelha e tentava acompanhar o raciocínio e sincronizar com a voz que saía da boca da Amigairmãmaisvelha mostrando para o cérebro aquelas coisas a fim de que ele cedesse, mas não parecia estar surtindo algum efeito.

Toda essa conversa entre elas começou porque o Grande Mestre colocou nas mãos da Amigairmãmaisvelha um grande saco de batatas e pediu que fizesse um purê homogêneo onde não se pudesse mais distinguir uma batata da outra e há tempos a Amigairmãmaisvelha vinha tentando receitas diferentes, ingredientes diferentes e ainda não tinha dado certo. No último jantar que o Grande Mestre deu em que elas estavam juntas foi possível ver claramente o saco da batatas dado à Amigairmãmaisvelha pelo Grande Mestre no canto da sala de celebração e aquilo a intrigou a ponto de atrair a atenção dela e ela ficou mesmo observando aquele saco de batatas por muito tempo.

Ali ela viu algumas batatas muito bonitas, outras nem tanto, algumas que precisavam de uma limpadinha, outras que precisavam que fossem arrancados os brotos que começavam a sair e ainda outras que ela não sabia definir. O fato era que, aos olhos dela, um saco de batatas, apesar de ter batatas boas não era nada agradável de se ver. Mesmo quando ia à feira com o avô ela não gostava nem um pouco de ver aquele monte de batatas que nem cor definida tinham se amontoando e se acotovelando juntas somente por aquele saco vermelho típico das feiras.

103340494, Chris Ted /Photodisc

Pensou tanto naquele saco eclético de batatas que teve a ideia de uma receita nova e ficou muito feliz em poder ajudar a Amigairmãmaisvelha a finalmente fazer um purê de sucesso. É certo que ela não sabia se daria certo ou não, mas mesmo assim queria mostrar para Amigairmãmaisvelha para que ela avaliasse e tentasse fazer.

Depois de explicar cuidadosamente cada passo da receita para a Amigairmãmaisvelha estavam ambas com àgua na boca querendo tentar executar. Parecia de fato uma ideia muito boa! Tudo bem que o primeiro passo não fosse o mais agradável porque nem toda batata gostava de ser descascada, mas pelo resultado final estimado valeria a pena.

Foi nessa hora que a Amigairmãmaisvelha distribuiu as tarefas entre as duas, ela disse que não sabia cozinhar, e a partir daí a prosa tomou outro rumo. Entrou em ação aquele lado que corrige que todo irmão mais velho teima em ter incentivando a gente e esse ímpeto saiu das entranhas, foi abrindo espaço na traquéia e a boca da Amigairmãmaisvelha não conseguiu segurar a frase que saiu extremamente espontânea: Como você me diz que não sabe cozinhar se eu mesma já comi da sua comida muitas vezes? A Amigamãedetodas sabe que você diz que não sabe cozinhar?? A Amigamãedetodas já comeu da sua comida também, e ela não falaria que você não sabe cozinhar.

E ela aprendeu mais rápido ainda uma façanha que irmãs mais novas sabiam muito bem, que era a justificativa e disse: - Mas é muito diferente uma coisa outra. Eu fiz aquela comida com a orientação do Grande Mestre, por isso que saiu boa, além do mais, era só pra gente mesmo, não tinha mais ninguém para comer. Sábia que era a Amigairmãmaisvelha rapidamente rebateu com toda graça no falar que a árvore, seja ela qual fosse produzia frutos espontaneamente e a árvore mesmo não comia nenhum, pois manga não era comida de mangueira.

Depois que a Amigairmãmaisvelha disse aquelas coisas e pôs-se a explicar sobre árvores que não faziam o que queriam e que não poderiam comer os seus próprios frutos, que alimentavam outras pessoas e não a elas mesmas ela logo imaginou cenas um tanto quanto bizarras de árvores que se espreguiçavam em seus galhos que ganhavam vida e começavam a arrancar lentamente cada um dos seus frutinhos e levar à boca, uma cavidade meio que cavada no tronco grosso.

90258046, Dinodia Photos /Botanica

Tentou espantar esse pensamento esquisito enquanto a Amigairmãmaisvelha falava sobre os talentos que não podiam ser enterrados, pois não era certo, não era justo e que ela estava tentando enterrar os talentos que o Grande Mestre tinha colocado nas mãos dela. Isso - dizia a Amigairmãmaisvelha - não é sinal de fidelidade. E nem de inteligência mocinha!!

Ela sabia que com a Amigairmãmaisvelha não podia argumentar, por isso ficou apenas escutando e fazendo perguntas sem rebater nenhuma palavra. Deixou que a Amigairmãmaisvelha plantasse aquela sementinha no coração dela, que já estava se tornando terra boa, e deixou também que essa sementinha fosse regada e cuidada pelo Grande Mestre, pois ela sabia que a Amigairmãmaisvelha falava de coisas que o Mestre mandara, mas que não queria enterrar nada e sim plantar mesmo que para ela fosse tudo ainda muito complexo de se pensar.

97971112, Adam Gault /OJO Images

domingo, 13 de fevereiro de 2011

E ele nem precisa se trocar na cabine telefônica

Parece que havia tanto e tanto tempo que não se sentava para desfrutar da agradável compania dos pais. Toda a família tinha o hábito de, semanalmente, se sentarem para apreciar variados tipos do precioso laticínio produto do leite. Como bons mineiros que eram toda sorte de queijos era pouco pelo tanto que se deliciavam da iguaria vinda seja da fazenda mineira, seja dos campos franceses.

O queijo era o tipo de comida peculiar dos mineiros e era quase que inseparável um do outro: o mineiro e o queijo. E se aproveitando da ilustre presença queijífera ela e os pais conversavam calmamente ao redor daquela mesa que parecia ficar pequena para tanta palavra que era colocada em cima e tomava conta do lugar.

Era assim em Minas, ao redor da mesa era que se davam as discussões significativas, os tratamentos de algum problema de temporada, as comemorações de vitórias, os choros por qualquer motivo que poderiam ser partilhados e assim aprenderam a apreciar aqueles momentos ao redor do móvel que parecia atrair coisas boas e momentos agradáveis para perto de si.

E foi ali, sentados ao redor da mesa que se pôs a ouvir os detalhes do dia-a-dia do pai que mais parecia uma história em quadrinhos ou mesmo filme de super heróis, e gostava de ouvir aquilo tudo porque o pai dela tinha a arte do falar. E era assim mesmo que ela via o pai dela, como um super herói de filmes, mas na vida real, que fazia coisas fantásticas mesmo sem ter superpoderes.

O pai dela era habilidoso em dissolver problemas que nenhuma pessoa na face da terra poderia desembaraçar. O Grande Mestre tinha colocado nas mãos do pai um presente diferente chamado dom. E o pai, inteligente que era, usava o dom dele a favor da própria imagem, para se destacar na multidão. Com isso as pessoas olhavam pra o pai dela e viam a marca do Grande Mestre em tudo o que era feito pelas mãos do pai mesmo que não soubessem muito bem reconhecer qual era aquela marquinha de Perfeição.

A missão de lutar contra o mal dessa semana tinha sido um tanto quanto diferente: havia uma grande nuvem de destruição de vida em cima da Corporation S.A., empresa que o pai dela trabalhava disfarçado de empresário enquanto anunciava as boas notícias que o Grande Mestre havia mostrado a ele em particular. A nuvem primeiramente ficou somente sobre a empresa, mas com o passar do tempo a nuvem começou a grudar nas pessoas que passavam pela porta e iam se dirigindo rumo ao coração. Ao entrar no coração automaticamente pulava para os olhos causando cegueira instantânea. Isso trouxe o negrume daquela nuvem tóxica que antes só pairava pra dentro da Corporation S.A.

Como nunca tinha visto nuvem como aquela antes o pai dela agendou imediatamente uma reunião com o Grande Mestre, pois sem Ele nada podia fazer. E ela ficava curiosa pra saber o que o pai dela e o Mestre tanto conversavam, mas apesar de nunca descobrir sabia que daquelas conversas saíam coisas muito preciosas, pois o Grande Mestre é o melhor professor que já tinha conhecido em toda história. Além disso o pai dela sempre saía com um ar de renovação e com muitas novas ideias das reuniões que tinha com o Grande Mestre e isso era o máximo pra ela.

E saindo de uma das tantas conversas com o Grande Mestre o pai dela teve uma grande ideia e pediu que o Mestre mesmo o ajudasse a executar: procurou uma pequena luzinha que havia dentro dele, abriu um ou dois botões de cima da camisa de algodão de fio 120 impecável que sempre usava para que ficasse mais confortável no pescoço e abriu a boca com firmeza até que a luzinha começasse a sair em forma de palavras.

75593867, OJO Images /OJO Images

Começou na sala que se chamava "Minha Sala" e foi andando por toda a Corporation S.A. e abrindo a boca em cada canto daquele edifício plantando a luzinha das boas novas em cada pedacinho de parede e mesmo em cada pedacinho de tijolo até que tivesse pelo menos uma mini luzinha que nem de vagalume em cada cantinho daquele lugar. Em alguns lugares por onde andava, porém, não podia simplesmente jogar a luzinha no espaço, na parede ou no tijolo, tinha que colocar nas mãos de alguém de acordo com a orientação do Grande Mestre porque a terra era o próprio coração.

Assim fez até que tivesse uma luzinha em cada canto da empresa. Bem espalhadas estrategicamente, cada uma em seu cantinho as luzinhas começaram a se comunicar e, ao ordenar do pai dela, começaram a subir como insenso e como aroma agradável para as mãos do Grande Mestre, que observava tudo, dissipando por completo aquela nuvem de derrota e destruição.

Com aquela nuvem densa dissipada as pessoas já conseguiam se ver novamente, não precisavam mais andar no escuro. Ao perceberem um ao outro entenderam que não estavam sozinhos. Começavam a descobrir todo benefício que existia na unidade dos membros como se fosse mesmo um organismo trabalhando em conjunto para o resultado final. Descobriram então que podiam se ouvir e ajustar as engrenagens para andar como uma máquina perfeita.

Depois que a nuvem se foi por completo a vida veio se achegando novamente à Corporation S.A. e fazendo brotar flores que estavam secas, fazendo com que a comida voltasse a ser banquete até mesmo na sexta-feira que era morta e mais ainda, restaurando famílias que não tinham mais conserto para mais ninguém a não ser para o Grande Mestre, que olhava satisfeito para o pai dela e dizia: Muito bem!! Servo bom e fiel!!

Naquela noite, ao redor da mesa, ouvindo o pai falar e contar todas essas coisas emocionantes ela se colocava a pensar firmemente que com tudo isso, toda essa história de mocinho e nuvem bandida, de luzinhas que mesmo pequenas e aparentemente insignificantes podiam derrotar uma escuridão inteira, de corações mudados e tudo o mais que saía da boca do pai era realmente muito fácil acreditar que o pai dela era mesmo um super herói preparado para combater o bom combate, acabar com sucesso a carreira e guardar a fé. Só que mais legal ainda era que não precisava trocar de roupa numa cabine telefônica como fazia o repórter com identidade secreta, bastava vestir todos os dias as vestes de louvor que o Grande Mestre dava de manhã quando renovava o estoque de misericórdias!

85309840, Steve Ryan /Photodisc

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Flashback

Como tinha comido mal naquele dia! De bom mesmo só o café da manhã que o Grande Mestre tinha preparado pra ela. Passou o dia todo à base de sanduíches que além de não alimentarem quase nada, a não ser na hora, engordavam e saíam muito rápido do organismo dando lugar novamente à fome. Enquanto pensava nisso e descia as escadas encontrou o rosto da mãe que estava viajando há alguns dias e sentiu o quanto estava com saudades.

Abraçando a mãe sentou-se próxima aos pais e ainda comendo beijou a Amigamãedetodas, que muito encalorada do verão dos trópicos tupiniquins, se refestelava confortavelmente na cadeira. Era apenas uma reunião informativa o motivo de estarem ali, mas estava feliz por estar ali simplesmente reunida com pessoas que amava. Pelo fato de terem chegado muito cedo não eram todos os convocados que haviam chegado ainda e puderam conversar por bastante tempo.

Enquanto ainda estava comendo chegou a Amigairmãmaisvelha com toda alegria quase que invisível acumulada dentro dela e deu um beijo em cada um que ali estava. Era muito engraçado e divertido comer perto da Amigairmãmaisvelha porque ela sabia muito a respeito de todas as comidas do mundo, desde a mais gostosa até as que não são recomendáveis, e sabia muito bem admirar a arte da boa cozinha. Depois da Amigairmãmaisvelha um simples chopstick nunca mais foi o mesmo.

106163766, Mimi  Haddon /Lifesize

Tratou logo de terminar de comer para poder conversar com todo mundo antes que entrassem para a reunião e conversou um pouco com cada um desde a Amigairmãsensata até pessoas que não estava muito acostumada a encontrar.

Ela achava engraçado por demais a forma como a Amigamãedetodas a olhava. Sabia naquele olhar carinhoso que a Amigamãedetodas sentia orgulho dela, como se fosse mãe de verdade, que cuida, que pastoreia, que divide a bagagem ao longo do caminho, apoia e incentiva. Ela sabia também que a Amigamãedetodas era muito grata ao Grande Mestre pelo jardim fechado que começou a fazer dentro dela. Foi a Amigamãedetodas que cuidou para que, quando o Grande Mestre começasse a revolver a terra daquele jardim ela não repelisse o cuidado que, embora não fosse bem prazeiroso era necessário para que as sementinhas que Ele espalharia fossem absorvidas com sucesso. E foi também a Amigamãedetodas que intermediou a festa de gratidão que haviam participado ontem mesmo no tal do "Recôndito do Tabernáculo". E ela olhava para a Amigamãedetodas e ao mesmo tempo sentia gratidão e carinho por aqueles olhinhos que a olhavam de volta.

De repente a Amigairmãmaisvelha se coloca de pé por um salto e diz que começaria agora mesmo a reunião. O Grande Mestre havia pegado uma dose de autoridade e colocado na Amigairmãmaisvelha toda vez que precisava que ela, Amigairmãmaisvelha, estivesse de pé diante do povo. Era fantástico como nem parecia a mesma pessoa. Falava ainda com doçura e mansidão, mas com firmeza de posição decidida, com firmeza de voz emprestada do Mestre. Não havia alternativa, todos se silenciaram e pararam para ouvir.

A Amigairmãmaisvelha pediu a todos que pegassem a carta de amor que o Grande Mestre havia escrito a eles para que lessem e pudessem comprovar, ou simplesmente lembrar que o Grande Mestre não só os amava, mas cuidava muito bem deles. Firmou-se então o acordo que cada um, em sequência leria um parágrafo e assim foi. Mas não bastava ler, era preciso que se explicasse o que havia acabado de ler. Para a Amigairmãmaisvelha, entendedora que era de comida não bastava simplesmente comer comida boa, tinha que degustar.

Sem saber ao certo porquê e de onde surgiu isso, a Amigairmãmaisvelha achava engraçado por demais ter essa nomenclatura como só dela, mas o que não sabia é que havia ganhado esse título ao sair da estação do metrô e oferecer a mão para que atravessassem a rua, como se ela fosse criança. Não como incapaz, mas como instinto protetor que tinha com ela sempre. Não como mãe, mas como simplesmente Amigairmãmaisvelha, como o próprio nome diz. E continuava demonstrando isso a cada dia desde então, mesmo sem perceber. E acabara de fazer novamente deixando que ela simplesmente lesse ao invés de explicar. Como envergonhada que sabia que ela era, a Amigairmãmaisvelha tomou a explicação das mãos dela e simplesmente a conduziu e concluiu entregando-a prontinha nas mãos do próximo que leria e explicaria. Ao perceber isso com certo atraso ela colocou a mão na boca tentando esconder o riso e entendeu que o nome disso era cuidado.

As palavras que tinha naquela carta eram muito fortes. Em algumas delas podia-se sentir o poder do que era proclamado e ela até achava que alguns trechos eram em coraçõnês porque até viu alguns coraçõezinhos sorrirem quando se dizia algumas coisinhas. Prestou bastante atenção em todas as palavras daquela carta e quando terminaram aquele pedacinho de livro lido sentiu que estava alimentada com algo de bom novamente. O Grande Mestre, surpreendente como sempre era, preparava alguns lanchinhos aqui e ali para que não morressem de fome.

De outro salto a Amigairmãmaisvelha se dirigiu ao aparelho de som para que pudessem cantar e ela, operadora oficial do aparelho, foi atrás para poder manusear o pequeno cantante. Quando percebeu a presença dela ali perto do som a Amigairmãmaisvelha apontou para um dos microfones e disse: seu lugar não é mais aqui, some pra lá! - argumento faltou, o juízo ainda não havia se despedido e segurou todas as palavras que poderiam sair e ficou sem palavras. Abaixou o olhar em direção aos pés e os pés imediatamente entenderam que era pra se encaminhar sem demora para o microfone apontado.

Foi a conta de a Amigairmãmaisvelha soltar a música e ela se apoiar nas notas musicais que saiam da boca da Amigairmãsensata pra se sentir em casa e cantar como se só estivessem as duas ali. E aproveitou mesmo cada notinha de cada música até acabar.
107428973, Paul Bradbury /OJO Images

Foi só nessa hora que percebeu que na verdade, o fato de ela estar ali, de estar cantando com as amigas, família que escolhera, nada mais era do que um lembrete do Grande Mestre. Ele queria que ela trouxesse à memória o que podia dar esperança. E nada mais poderia dar esperança do que a lembrança da voz da Amigairmãmaisvelha, em quem aprendera a confiar desde muito cedo, ordenando com voz firme que abrisse a boca e cantasse tempos atrás. E não só cantasse mas declarasse, que era livre.

E ela, irmã mais nova que aprendera a ser, ouvindo a voz potente da Amigairmãmaisvelha ordenando com o olhar ficava constrangida e, sem coragem de negar esse pedido ordenado cantava com vergonha e sem saber direito a letra. Enquanto isso, enquanto declarava que era livre mesmo ainda sem o ser de verdade, o Grande Mestre ouvia o que saía da boca dela e passou a prestar atenção. Na primeira vez que ouviu, porém, Ele parou e só escutou. E ela, que pensava estar cantando pra Amigairmãmaisvelha, cantava cada vez mais forte.

Foi então, que a partir da segunda vez que cantava, o coração se deixou levar pela melodia e entrou no ritmo, começou a cantar junto com a boca e dessa vez o Grande Mestre ouviu e começou a acreditar no que saía da boca dela e tomou aquilo que era cantado realmente como verdade. Sem resistir àquele coração quebrantado o Grande Mestre levantou-se do seu trono então e a pegou pela mão para iniciarem uma looooonga caminhada. E ela, que não sabia o que fazer e nem entendia direito o que estava acontecendo naquele lugar buscava aprovação de alguma forma no olhar da Amigairmãmaisvelha, que só sabia rir dela e responder involuntariamente com o mesmo olhar que ela buscava: Se solta e vai... Pode ir!! Confia e deixa Ele te levar.



Com o consentimento e apoio da Amigairmãmaisvelha então aceitou a mão que o Grande Mestre estendeu a ela e começou a andar bem devarinho, com receio ainda, mas já feliz por ter aceitado a mão forte Dele pra caminhar. Foi passando por cada passo que haviam dado juntos desde então e visto que o Grande Mestre, apesar de ter pressa, havia se mostrado aos poucos pra que ela não se assustasse com tamanho poder e saísse correndo soltando a mão Dele e entendeu que isso também era cuidado. Viu que naquele curto caminho Ele já havia trocado as vestes dela que eram de trapos estrupiados e colocado vestes que Ele mesmo escolhera, pois eram de louvor. Viu também que ela tinha frequentado muitos banquetes, pois o Grande Mestre era especialista em festas para os filhos Dele e que nesse caminho não havia lhe faltado absolutamente nada, mas muito pelo contrário, tinha o acréscimo da Presença do Grande Mestre, que não era possível de descrever devido à importância, majestade e magnitude que possuía por si só.



Foi tudo isso ao mesmo tempo agora que Ele vinha trazendo à memória dela como que em flashback enquanto ela abria a boca e cantava que era livre como a Amigairmãmaisvelha havia ordenado em tempos remotos. Mas agora, agora era diferente. Ela mesma sabia, dessa vez não só no coração, que tinha um ouvido melhor pra ouvir o Mestre, mas também na cabeça, que apesar de ainda ter muito trabalho a ser feito aquela canção já era verdade pra ela como primeiro acreditou o Grande Mestre quando se levantou e pegou na mão dela convidando-a a andar do lado Dele até a consumação do século.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Uma festa de gratidão

Quando acordou serelepe para falar com o Grande Mestre naquela manhã de sol sorridente não podia imaginar o que a aguardava logo mais à tarde. Se levantou da cama como que por um pulo, visitou o banheiro e logo logo se pôs de joelhos aos pés do Autor e Consumador da história. Conversaram ali por um bom tempo e, como era dia folgado, voltou pra cama ainda com a própria voz ressonando na cabeça.

Algumas horinhas depois começou a ouvir ao longe uma musiquinha bem conhecida: Pai, Pai, meu Pai!! Pai, Pai, meu Paai...
Era o despertador nosso de cada dia que a chamava para finalmente começar a se mexer acordada ao invés de dormindo. Levantando-se sem demora ela pegou o despertador e colocou pra cantar debaixo do travesseiro dela. Nas vezes posteriores que ele começou a cantar, porém, não conseguiu levantar e pensou que colocá-lo ali, embaixo do travesseiro foi a melhor coisa que poderia ter feito. De alguma forma, a voz da Amigamãedetodas que cantava dentro do telefone-despertador a estava embalando ao invés de fazer com que se levantasse de vez.

Dormiu e acordou algumas vezes antes de levantar e quando finalmente o fez, antes mesmo de escovar os dentes fez a Amigamãedetodas chegar mais perto dela para lhe contar como tinha sido o encontro divertido com a velhaprima no shopping. Ela achou graça quando a velhaprima perguntou de onde vinha, qual era aquela vida que estava agora dentro dela. Com a empolgação que lhe é peculiar tentou mostrar à prima pelo menos um pedacinho do jardim que o Grande Mestre tinha começado. No final das contas foi em vão, não conseguiu mostrar nem uma graminha sequer, pois a prima estava muito dispersa com as coisas desse nosso mundo. Mesmo assim ficou feliz por ter podido mostrar pelo menos que uma vida dentro dela havia mudado.

Contou todas essas coisas à Amigamãedetodas, que lhe deu notícia de que a Amigairmãmaisvelha já havia também entrado em contato. Que sucesso de comunicação!! - pensou. Como sabia que teria fome em breve convidou a Amigamãedetodas pra comer comida japonesa, e a Amigamãedetodas, que tinha recém-descobrido a arte culinária do Japão aceitou de pronto, sem nem pensar.

Terminada aquela agradável conversa de bom dia sentou-se e ficou observando maravilhada em suas mãos todas aquelas pérolas que o Grande Mestre tinha confiado a ela. Trazendo tudo aquilo do mundo virtual para o material, para que a Amigamãedetodas tivesse acesso à beleza do aspecto completo daquelas pérolas ela se sentiu, de certa forma, como aquele homem que ao descobrir um tesouro escondido no campo esconde que descobriu algo de valor de todo mundo e depois, movido pela alegria ia, vendia tudo, tudo, tudo o que ele tinha e comprava aquele campo.

Ela gostava daquelas pérolas pois era através delas que, muitas vezes, o Grande Mestre contava pra ela o que Ele queria, o que Ele estava fazendo ou simplesmente que Ele a amava. E isso era uma das melhores coisas que poderia existir na face da terra.

200569632-001, AAGAMIA /Iconica

Levantou-se dali apressadamente quando a foto da Amigairmãmaisvelha chamou pra irem almoçar, pois já estava ficando tarde, se arrumou e saiu à galope debaixo do sol escaldante de verão.

Chegando no local oriental combinado o coração dela se encheu de alegria quando viu a Amigairmãsensata, que já estava há um bom tempo sem ver. A Amigairmãsensata era uma festa, doce e delicada e como uma flor exalava o bom perfume do Messias.

Faminta que estavam subiram depressa a escadaria e a Amigairmãmaisvelha, esperta e providencial que era como todos os irmãos mais velhos, tratou logo de pedir as pelotinhas de peixe que tanto gostavam. Assim que conseguiu se abstrair dos percalsos do caminho, ali sentada com a família que pôde escolher com a ajuda do Grande Mestre e, consequentemente com a bênção Dele, pensou ter descoberto a fórmula da felicidade. Em meio a risadas das quatro sabia que era bom por demais estar na compania das meninas! Todas essas coisas, porém, eram apenas uma preparação para a reunião que estava por vir.

Elas não sabiam ainda, mas o Grande Mestre estava preparando para elas uma festa que nunca poderiam imaginar quando estavam ali sentadas e não só as conversas, mas as risadas e até mesmo o que comeram era somente um preparo. No caminho, quando se separaram e resolveram formar duplas pôde-se ver a mão do Mestre até mesmo em outros idiomas e estavam felizes com o direcionamento e condução que Ele dava a elas.

Ao entrarem no salão viram algumas carinhas mais conhecidas e se forçaram pra prestar mais atenção à festa e ao movimento todo. Perceberam que as roupas delas eram de louvor como o Grande Mestre gostava. Ele mesmo deu a todos que estavam naquele salão festivo.

A festa que o Grande Mestre preparou no dia que se chama hoje era um tanto quanto diferente. Era dividida em partes. Na chegada elas estavam no salão principal, era a primeira parte do banquete, então se sentaram ainda juntas e comeram do melhor dessa terra. As palavras do Grande Mestre eram suaves e de encorajamento e com a força dessa comida puderam se satisfazer por muito tempo.

Já para a segunda parte da festa, a parte das sobremesas que ela mais gostava, foram chamados apenas alguns convidados para um lugar mais íntimo chamado "Recôndito do Tabernáculo". Ela achou o nome engraçado e de certa forma complicado, mas o lugar era muito aconchegante. Até por demais. Era visível que o Grande Mestre tinha arrumado pessoalmente aquele lugar para recebê-las colocando cada almofada e afofando o tapete para que elas pudessem pisar.

Experiente que era naquele tipo de banquete de sobremesas que o Grande Mestre organizava periodicamente na casa que se chamava de oração da Amigamãedetodas, a Amigairmãmaisvelha olhou pra ela e ordenou que fosse ao banheiro. Como estava mesmo com vontade obedeceu de bom grado.

Ao retornar viu que a população que estava no "Recôndito do Tabernáculo" era bem reduzida em comparação à multidão que estava no salão principal. Algumas daquelas pessoas ela ainda nem conhecia, mas como eram convidadas do Mestre ela não ligou e sorriu para todos. Pararam em círculo de mãos dadas e parece que o Grande Mestre mesmo tinha colocado cada pessoa no lugar que estava e ali, de mãos dadas, começaram a celebração de alegria daquela festa gostosa.

No momento em que começaram a cantar e a celebrar os grandes, magníficos e perfeitos trabalhos do Grande Mestre, Ele mesmo veio, deu a mão para cada uma naquela círculo e colocou em cada palma que estava ali uma brasa viva da presença e glória Dele. Aquilo, um simples gesto do Mestre foi profundamente marcante e significativo pra cada uma das participantes presentes e foi um irromper geral de choro.

Como se não bastasse essas brasas vivas de presente, parecia que aquela fontezinha recém-descoberta dentro dela começava a tomar corpo, forma, a ter mais volume e força, e mesmo com toda vergonha que acumulava em fazer qualquer coisa em público, procurou apoio fixamente nos olhos da Amigamãedetodas, que estrategicamente posicionada em frente a ela a encorajava com o olhar em resposta ao apoio que ela procurava, e começou a falar que o Grande Mestre queria ouvir uma música e que ela ia cantar, que gostaria de olhos gerais fechados.

Nesse instante o apoio no olhar da Amigamãedetodas não era mais somente moral, se materializou na mãos que logo vieram e tocaram o pescoço e a garganta dela abençoando e pedindo ao Amoroso Mestre que recebesse o que quer que saísse dali. Ela olhava fixamente para a Amigamãedetodas assustada com as coisas que via tanto dentro quanto fora dela e assim que as mãos de mãe da Amigamãedetodas se abaixaram e os pés lentamente se afastaram ela mesma colocou as mãozinhas entre o pescoço e a boca procurando algum apoio que a pudesse sustentar de pé. A glória do Grande Mestre era tanta naquele lugar que já começava a quase perder o equilíbrio.

Puxou o ar com força e simplesmente abriu a boca deixando deslizar uma antiga canção de gratidão que havia aprendido quando era ainda menina e à medida que ia cantando sentia como que se as mãos do Grande Mestre tivessem se posicionado na barriga e nas costas dela e impulsionasse o som mais pra fora porque ia ficando mais alto e voz tomou uma proporção que ela ainda não tinha conhecido. Era como se fosse uma nova voz que saía da mesma garganta.

105660252, Lundgren, Emilia, Anna /Johner Images

Nessa hora o coração emudeceu e pediu que os olhos falassem por ele. Os olhos, solícitos ao coração, por sua vez choraram o quanto puderam. E quando acabou a cançãozinha foi como se não tivesse ninguém naquele "Recôndito do Tabernáculo", parecia que o Grande Mestre estava sozinho ali com ela. e tudo o que ela queria era ficar com Ele. Para alívio das pernas dela e da garganta que já pensava em prender aos poucos a voz no embargamento, a Amigairmãmaisvelha, que sabia ler muito bem irmã mais nova, deixou que a voz que tinha no coração se unisse à voz dela como que se dando as mãos e apoiando a canção para que não caísse no chão simplesmente. Aliviada ela entregou a música nas mãos da voz da Amigairmãmaisvelha e deixou que a canção fosse simplesmente conduzida por quem sabia fazê-lo.

Nos momentos seguintes aconteceram muitas outras coisas significativas, perfeitas, grandiosas e muito poderosas como só o Grande Mestre sabe e pode fazer, mas que para os mortais não é possível descrever devido à grandeza e magnitude. Qualquer descrição que fosse tiraria, e muito, o brilho e perfeição que o Grande Mestre consegue colocar em qualquer coisa. Isso sem mencionar o poder.

Depois dessas coisas que o Grande Mestre fez e ainda continua fazendo, ficou bem nítido que o Ele queria era não somente uma festa pura e simplesmente, mas Ele queria mostrar aos convidados ali presentes o que queria fazer com a noiva Dele. E saíram todos daquele lugar como que anestesiados, petrificados com o poder que caíra sobre eles. E quanto a ela? A única coisa que queria era não sair nunca, nunca, nunca dos braços fortes daquele Paizinho que ela amava tanto!

200569632-002, AAGAMIA /Iconica

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

E Ele fez um jardim fechado...

Era manhã de um dia de trabalho qualquer e ela abriu os olhos e piscou cerca de uma dúzia de vezes tentando achar foco no teto do quarto, mesmo sabendo que era branco e não tinha nada o que ver ali. Rolou de um lado pro outro na cama até finalmente se levantar. Apesar de ainda estar sonolenta estava muito feliz, pois podia olhar pra dentro dela e ver que o Grande Mestre havia começado a construir um jardim bem peculiar no interior dela.

Nesse jardim havia muitas flores, que ela amava, mas que ainda não podia ver como eram, pois eram somente brotinhos. Ela podia ver que já haviam sido plantadas muitos tipos diferentes e estava empolgada, ansiosa pra ver logo as cores dessas flores, o cheiro delas, a forma de cada uma. Ela queria ver o resultado final desse jardim que estava em reforma.

Sabia que as flores teriam, cada uma, sua beleza peculiar, cheiro perfeito e tudo o mais de bom que as flores têm, mas ela sabia também que quem olhasse poderia ver mais de uma coisa, que era a beleza individual de cada parte, mas que se se afastasse um pouco mais veria um enorme mosaico com a assinatura PERFEIÇÃO no cantinho, pois o Grande Mestre assina toda boa obra e todo dom perfeito.

Passeou um pouco mais pelo jardim e viu alguns sacos de lixo cheios, já juntos, prontinhos pra serem jogados fora depois da limpeza de ontem à tarde. Ao mesmo tempo que ficou pensativa naquela faxina toda, na forma que foi feita, em como ela mesma tinha ajudado o Grande Mestre a fazer. Ou melhor, foi Ele quem fez tudo, mas de alguma forma o Grande Mestre queria que ela se sentisse parte integrante do processo e deixou que ela fechasse os sacos depois que Ele, sentado no chão do jardim do coração dela, arrancasse pacientemente algumas raízes de CompaniusErradus, algumas de CegueirusEspirituosis e algumas outras de InsensibilidadesAuditivasDivinus.

Ela parecia criança impaciente correndo de um lado pro outro enquanto deixava a terrinha do coração dela ser trabalhada pra ser terra boa, onde as sementes que ainda seriam plantadas florescessem com vida, afinal de contas, onde o Grande Mestre tocava tinha que ter vida, e vida em abundância.

Correndo pelo jardim, que ainda tinha muito trabalho a ser feito, e olhando um pouco mais, do outro lado, pôde ver uma fontezinha tão linda, tão limpa e clara, que deu até sede na hora. Ficou admirada demais com a beleza da fonte que ainda estava também, claramente, em fase de construção e logo pensou: UAU!! Se em fase de construção está assim, imagina quando ficar pronta? - Estava ainda no final daquela frase quando sentiu um leve toque no ombro. Era o Grande Mestre que tinha se levantado e olhava pra ela. Como era lindo o Grande Mestre aos olhinhos dela!

E dando um pequeno passo em direção àquela fontezinha Ele pegou uma pequena quantidade daquela água nas mãozonas Dele e chegou bem perto dos olhinhos de interrogação dela e simplesmente sorriu. Ela retribuiu o sorriso sincero e esclarecedor Dele transformando-o numa alta e sonora gargalhada. Foi quando parou para respirar e finalmente entendeu que essa fonte que o Grande Mestre havia começado a edificar cavando fundo para achar um veio d'água, moldando cada pedacinho era na verdade um comprovante.

Esse comprovante o Grande Mestre dava a todas as pessoas que criam Nele. Era como uma marca que Ele era não só real, mas fiel e protetor. Ela pegou um pouquinho daquela água e com todo cuidado para não derramar bebeu um golinho pequeno, mas suficiente para não só ver, mas para entender que do interior dela já começava a sair um pequenino rio de àguas vivas. Olhou para o Grande Mestre que a observava com amor, lançou-lhe um sorriso agradecido e emocionado e voltaram a brincar pelo jardim, a terminar o trabalho que haviam começado para que aquela terra de coração em tratamento se tornasse definitivamente boa.

103915393, Peter Zander /Lifesize

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Sisterhood

Desde que se entendia por gente estava acostumada a ser a primogênita. Até mesmo antes disso, antes dessas coisas de se entender por gente, ela foi o primeiro espermatozóide a chegar na barriga que morou por seus primeiros nove meses enquanto era ainda uma substância informe, só uma massinha. Foi ela quem nasceu primeiro na vida da mãe que se mantinha de joelhos enquanto ela ficava em pé. Ela também chegou primeiro à vida do pai, que esquecendo-se já ser grande, brincava tanto com ela a ponto de ensinar-lhe o que era de fato infância.

Como neta mais velha foi a primeira a chegar na vida das avós, que a paparicavam como podiam com o melhor da vovózisse que desfrutou o máximo que pôde. Chegou primeiro também na vida do avô, que a colocou como única, o que realmente era, por muito e muito tempo a fazendo sentir o peso privilegiado não só da exclusividade, mas da primogenitura.

Foi ela que viu o irmão mais novo chegar depois de dois anos e, como tinha visto tal milagre da vida, era agora, oficialmente irmã mais velha pra sempre. Pelo menos era o que achava até então.

O novo cargo trouxe muitas responsabilidades e muitos privilégios ao mesmo tempo. Sempre ouvia a voz invisível da mãe dizer coisas como: cuidado!! ele é pequenininho! ou olha o nenêm! ele é mais novo, cuida dele. E com isso aprendeu a brigar muito com aquela criaturinha e a cuidar daquele serzinho atrevido que viu aos poucos virar um homenzinho.

Era nisso tudo ao mesmo tempo que ela pensava aquele dia que saiu de uma reunião em que tinha dançado sem parar com o Grande Mestre. Dançou mesmo sem se importar se sabia ou não dançar, simplesmente se levantou e dançou com toda força até a música acabar por completo. Logo depois, como precisou beber muita água pra aguentar firme e forte o fim da música foi pro banheiro com a amigairmãmaisvelha que a vinha ensinando a ser irmã mais nova ultimamente.

86000248, Dougal Waters /Digital Vision

Ali dentro daquele quadrado de banheiro direito ouvia com atenção o que dizia a voz da amigairmãmaisvelha que falava lá do quadrado de banheiro esquerdo coisas peculiares às duas que todas as mulheres conhecem, mas que de certa forma as aproximava. Ambas sabiam muito bem como era ter que aos poucos apertar a barriga para que as calças ficassem com um caimento melhor, sabiam que saias poderiam assar coxas como as delas, sabiam exatamente o poder de uma calça jeans para remodelar as dobrinhas que colecionavam e sabiam principalmente como era bom que a voz jogada pro alto encontrasse um ouvido onde pudesse repousar com segurança como elas faziam ali mesmo.

Ela ouvia tudo aquilo que a amigairmãmaisvelha falava com atenção e sem se dar conta, involuntariamente tentava aprender como era ser irmã mais nova. Essa coisa toda de irmandade era muito nova pra ela agora. Há tempos não convivia com o irmão, seu único professor de irmandade desde sempre, tanto como fora antes quando era menina por causa da separação das montanhas mineiras, que escondiam o irmão dos olhos dela.

Mesmo nas amizades anteriores em tempos de irmão mineiro longe, quando ensaiava um pouco de irmandade com as outras amigas, ela tinha o papel mais de cuidadora, apaziguadora e moderadora da turma como faziam os irmãos mais velhos do que irmãos do meio ou mesmo mais novos. Ela estava acostumada em ser consultada pelas outras amigas e não a pedir conselhos como fazia com a amigairmãmaisvelha naquela noite pós natal em que ignorou a voz do Grande Mestre e foi fazer o que quisesse com as velhas amigas que não usavam vestes de louvor e nem queriam.

Naquele dia, mesmo sabendo que não deveria sair com aquelas pessoas com quem escolhera andar por muito e muito tempo se sentia esquisita e achou insanamente que poderia curar sua esquisitisse nas risadas desperdiçadas numa casa que não era de oração onde moravam as pessoas com quem deciciu dividir uma parte da história dela. Na hora em que saiu daquele lugar se sentiu pesada como se carregasse não só a bolsa, mas milhares de sacolas e bagagens que não precisava mais carregar porque o Grande Mestre já tinha se oferecido pra retirar dela pra sempre.

Sem querer ouvir o Grande Mestre, porém, ela teimou que queria carregar tudo sozinha, pois era tudo dela mesmo e no final das contas quase não conseguia se manter de pé. Foi nessa hora que, com tanta vergonha, como se não pudesse olhar pros lados e nem pra canto nenhum pegou o celular com os dedos deslizando sobre as teclas e digitou pra amigairmãmaisvelha: Tá acordada?

A apreensão pela falta de resposta deu lugar ao alívio que veio menos de cinco minutos depois: Tô sim! Fala! Que foi? Essa simples respostinha deu a ela uma lufadinha de ar pra pedir o socorro que precisava e ainda com vergonha de simplesmente existir e com uma dose inerte de relutância digitou novamente: preciso urgentemente ouvir o Grande Mestre e não consigo. Sabe onde Ele está? O que fazer? Deixa Ele usar sua boca porque de outro jeito eu não consigo ouvir! Por favor!!! A amigairmãmaisvelha, que não entendera muita coisa na ocasião, mas estava com o Grande Mestre, fez como melhor lhe aprouve, abriu mesmo a boca e deixou que as palavras instruídas pelo Mestre, que via tudo, deslizassem pelos seus dedos no celular: Entrega teu caminho ao Senhor, confia Nele e Ele tudo fará.

No começo ela ficou um tanto quanto indignada porque os caminhos dela eram dela! só dela e de mais ninguém e não queria interferência nenhuma neles, não queria entregá-los para outra pessoa depois de tanto tempo gasto que teve para colocá-los tortos daquela forma. Mas depois entendeu que a amigairmãmaisvelha a amava, tinha razão completa e não falava por ela mesma, era somente porta-voz do Grande Mestre que a chamava pra mais perto Dele. A amiguinhairmãmaisvelha só jogou a corda de amor com que Ele nos atrai para que ela pudesse agarrar e não se sufocar naquele lamaçal.

Ainda sem digerir tudo aquilo fechou então os olhos e caiu absorta em pensamentos distantes sem rebater o que a amigairmãmaisvelha tinha acabado de falar, pois sabia, como irmã mais velha que era, que os irmãos mais velhos não devem ser contestados e sim respeitados. Eles sempre nos ajudam a ver e a resolver os problemas, mesmo que não concordemos com eles.

Naquela noite quente então, que sentia suas forças serem sugadas, com o telefone ainda nas mãos fechou os olhos e desejou do fundo do coração que a amigairmãmaisvelha estivesse ali perto dela pra abraçá-la e descobriu então o significado da palavra solidão, pois apesar de ter um monte de gente por todos os lados o coração dela não via absolutamente ninguém por perto e se sentia sozinho. Não conseguia enxergar ainda que o Grande Mestre estava ali mesmo do seu lado esperando um abraço, pois seus olhos sujinhos ainda estavam fechados pra Ele. Naquela noite dormiu pesadamente e todas essas coisas se passaram e agora o Grande mestre tudo fez novo.

89024646, Image Source /Image Source

Agora, ali no banheiro enquanto se sentava aos pés da amigairmãmaisvelha, a ouvia falar devagar e com voz suave e amorosa, característica também de irmãos mais velhos, lembrava-se de tudo isso e pensava que o cuidado do Grande Mestre ultrapassava todos os limites. Mesmo os limites do entendimento dos sábios, pois Ele sabia que depois que a amigairmãmaisvelha a ensinasse a ser irmã mais nova ela receberia de bom grado o Primogênito filho do Grande Mestre não só como irmão mais velho, mas como irmão amado. Era mais fácil começar com uma pessoa que ela já gostasse, pudesse ver de perto e tocar enquanto a insensibilidade do coração dela ainda não arredava o pé e enquanto não tinha a visão totalmente curada pra ver o Filho do Homem com olhos como os da águia.

A amiguinhairmãmaisvelha, com todo seu jeitinho calmo e especial que ela admirava tanto e com a maior ajuda do mundo, a do Grande Mestre, amolecia pouco a pouco a resistência que existia dentro dela em renunciar a primogenitura terrena que tinha por algo muito melhor que era o conforto, a segurança de quem tinha um irmão mais velho para que fosse protegido na escola, para que aprendesse coisas que só os irmãos mais velhos sabiam ensinar - assoprar bolinhas de sabão, por exemplo - para que pudesse experimentar como a cumplicidade que só se tem nos irmãos mais velhos era gostosa.

103738353, Roberta Fineberg /Photographer's Choice

A amiguinhairmãmaisvelha mostrou que ser irmã mais nova era mais leve do que ser irmã mais velha, era mais legal e nunca perdia a graça nos papibaquígrafos do caminho. E ela, feliz da vida com tudo aquilo terminou de subir a rampa abraçada à amigairmãmaisvelha já achando o máximo ser irmã mais nova. E quando beijou com força seu rosto pra que a amigairmãmaisvelha descesse do carro teve certeza de que a amiguinha estava fazendo um bom trabalho do jeitinho que o Grande Mestre estava direcionando porque o Primogênito do Grande Mestre já tinha um lugar reservado só pra Ele no coração dela: O lugar de Irmão mais velho das duas, que aproveitavam como criança a graça infinita de serem, ambas, irmãs mais novas de um poderoso Irmão mais velho que cuida e zela por elas.

91947623, Jupiterimages /Brand X Pictures

domingo, 6 de fevereiro de 2011

E naquela manhãzinha cinza de chuva, aconchegante, preguiçosa e gostosa de folga foi despertada já tarde pela sábia mãe que se colocava sempre a  falar e falar pro Grande Mestre a respeito dela sem parar. Ela não sabia exatamente o que a mãe falava a seu respeito. Ainda mais com o Grande Mestre que sabia o que queríamos dizer antes mesmo de pensarmos em falar.

O motivo do despertar não era nada importante, mas sentiu muita vontade de falar tudo pra amigairmãsensata, que muitas vezes sem saber e sem acreditar tinha razão em tudo que colocava pra fora.

Essa amiga era diferente das outras por vários motivos, mas o mais acentuado deles é que a presença dela era super suave, não era de peso como a da amigairmãmaisvelha e como a da amigamãedetodas. As duas falavam muito forte, ainda mais quando o Grande Mestre mandava. Essa amigairmãsensata não, ela sempre parava, respirava e só depois de pedir que o Grande Mestre usasse a boca dela é que a abria calmamente com toda a doçura que morava dentro dela. A amigairmãsensata, ao contrário dela, era o cicio suave que só o Grande Mestre conseguia fazer.

A amigairmãsensata vivia dizendo que quando crescesse o que mais queria era falar com a autoridade e poder com que a amigamãedetodas sempre falava. Mal sabia ela que o Grande Mestre já havia visto isso no coração dela e em coraçonês se comunicado com o coraçãozinho que amou a notícia e, delicado que era, só pôde fechar os olhinhos, sorrir como sempre fazia e suavemente beijar o rosto do Grande Mestre.

Desde esse dia, mesmo sem a amigairmãsensata saber por completo, toda vez que ela abria a boca, o Grande Mestre ia lá, cochichava com o coraçãozinho da amigairmãsensata, que ficou amigo Dele, e ela começava a falar tudo o que o Mestre ia cochichando no ouvido do coraçãozinho.

As palavras da amigairmãsensata iam aos poucos virando um bálsamo à medida que saía do coração tocado pelo Grande Mestre, enquanto passava pela boca e ia diretamente curar outros corações que passavam ali por perto da amigairmãsensata.

Ela olhava muitas coisas como essa e achava estranho, muito estranho na verdade, que a amigairmãsensata não visse isso como ela via. A amigamãedetodas dizia que aquilo que a amigairmãsensata buscava só se podia alcançar de joelho dobrado e olho fechado e a amigairmãsensata juntava as mãozinhas e as colocava em cima da barriga de joelho dobrado e olho fechado com toda força.

À medida em que fazia essas coisas o Grande Mestre vinha bem pertinho da amigairmãsensata e pegava cada sonzinho que saía da boca dessa amiga. Muitas vezes não se podia ouvir nenhum som saindo da boca, mas vía-se o Mestre fazer o mesmo movimento como que para pegar algo.

O que seria que Ele tanto pegava já que não havia som? - ela pensou. Só depois de observar por mais alguns instantes percebeu que ela não ouvia som saindo da boca, mas o Mestre ouvia o som que saía do coração. Ela não entendia muito bem coraçonês ainda, mas o Grande Mestre, que criara o idioma era fluente e podia ouvir em alto e bom som cada suspiro do coraçãozinho da amigairmãsensata e recolhia cada um deles da mesma forma.

Como ela queria que a amigairmãsensata parasse de falar que não dá conta e simplesmente prestasse atenção ao que acontecia com ela mesma....

Era tão linda aquela cena que via que o coração dela mesmo se aproveitou da presença do Grande Mestre o se alegrou ao vê-Lo falando daquela forma ao coração da amigairmãsensata. De tanto poder que saía daquele quadro parecendo uma pintura, o coração dela não resistiu e pediu aos olhos que falassem por ele com uma gotinha de ternura que por pouco não lhe molha a face.

Ela achava um pouco repetitivo o que diria logo em seguida, mas não resistia e tão pouco poderia deixar de falar: como estava admirada com tudo o que o Grande Mestre fazia!! Ele não fazia apenas, Ele caprichava!!

81991739, Vanessa Davies /Dorling Kindersley