sábado, 5 de março de 2011

O semeador saiu a semear

Já havia bastante tempo que o Grande Mestre vinha preparando muitas sementes para o jardim fechado que fazia dentro dela. O novo hobby do Grande Mestre exigia tempo e trabalho muitas vezes árduo, mas Ele permanecia fiel àquela obra e parecia se deliciar a cada plantinha que saía daquela terrinha adubada e cuidada com carinho por Ele.

Foi só naquela tarde chuvosa na casa de oração da Amigamãedetodas que ela entendeu que a despedida das duas melhores amigas de tempos antigos da vida dela era, na verdade, uma varredura para o plantio de virtudes ainda não conhecidas. Ao longo da vida toda as amigas, que estavam se despedindo para melhores oportunidades de convivência, foram plantadas em tempos de guerra e por muito tempo foram a família com quem ela escolhera estar e dividir as gargalhadas que podiam. Durante muito e muito tempo aquele tripé a mantinha viva, mesmo que não fosse de pé. E, pra ela, isso era apenas suficiente.

Desde o dia em que ela tinha se decidido a dar as duas mãos para o Mestre que a conduzia Ele foi desembaçando os olhos dela e foi questão somente de tempo para o suficiente se tornar desnecessário e por fim pesado. E foi nessa época que começou a ver que as sementes que originaram aquelas amizades, apesar de serem plantadas com toda boa intenção existente eram, na verdade, joio plantado tão pertinho do trigo que era quase que imperceptível o que era um e outro.

200444546-001, Elena Segatini /The Image Bank

E era exatamente isso que o Grande Mestre vinha fazendo naquela semana. Ele arrancava cada pedacinho de joio amadurecido e os colocava no mar do esquecimento. Limpava cada centímetrozinho daquela terra que era propriedade particular Dele. Revirava toda terra, arrancava raízes de mato que tiravam a beleza das flores e desenhava o acabamento daquele jardim em fase de reforma.

Ela sentia algumas mudanças por fora, mas sabia que era o Grande Mestre que estava mexendo e isso bastava pra ela que tinha esperança e aguardava em silêncio. E mais do que isso, confiava nas mãos Dele pra tudo, inclusive como jardineiro.

Além do mais ela sentia falta demais daquelas tardes em que se assentavam e brincavam no jardim como se fossem crianças e pediu que o Mestre então plantasse algo novo para que pudessem compartilhar daquele momento em que Ele a ensinava a ser terra boa. E ela, como boa aprendiz, mesmo sem dizer nada, absorta nos olhos Dele, se esforçava por aprender cada coisinha daquelas com o prazer de simplesmente estar perto Dele.

Foi relembrando dessas tardes gostosas de primavera espiritual que pediu a Ele para ver o que Ele tanto fazia ali, pois queria participar também desse processo única e exclusivamente para ficar perto Dele. O Grande Mestre, que tem ouvidos mais apurados do que os de músico ouviu e preparou um caminho todo florido para que ela pudesse ver o que Ele estava fazendo.

Como ela estava esperando quietinha e nem se mexia a Amigamãedetodas colocou-a pra andar começando a falar de todas as coisas de fé que existiam e da forma como o Mestre manuseava os instrumentos de jardineiro no coração da gente. Ela parou ali sentada aos pés da Amigamãedetodas e absorvia como uma esponjinha cada detalhe da forma como Ele trabalha e queria mesmo era aprender como a Amigamãedetodas, que sabia de tantas coisas.

Os casos contados transformaram-se em casos cantados, pois não era mais possível falar aquelas coisas, obras das mãos Dele, sem lavar o rosto de lágrimas e cantando era sempre mais fácil de o agradecimento sair de dentro da gente. E cantando as grandes obras das mãos do Mestre, sem saber e sentir, a Amigamãedetodas a tomou pela mão e a foi conduzindo em canção por uma estrada que era tão nova pra ela que ela nem prestava atenção no que era dito e sim no caminho.

83310828, Gallo Images-David Malan /Photodisc

E passaram por vários pontos que despertaram o interesse dela naquela estradinha regada de óleo e ela, que segurava a mão da Amigamãedetodas pôde aproveitar e olhar para o caminho que estava trilhando sem se preocupar onde estava pisando. Ela viu que a Amigamãedetodas parou numa estação de idiomas e o Grande Mestre colocou na boca da Amigamãedetodas várias línguas daquelas. Cada uma tinha uma cor e quando colocadas na boca da Amigamãedetodas cada uma tomava uma forma e saía em forma de encorajamento e confiança, coisas do Grande Mestre... Nessa estação ela entendeu que Ele era o Senhor soberano das línguas e aprendeu um pouco mais da língua dos anjos, pois não poderia aprender tal coisa em nenhum outro lugar.

Retomaram o passo e assim que saíram da estação das línguas, ela que já tinha uma nova língua como canção, não conseguia mais prestar tanta atenção no caminho como antes. De olhinhos bem fechados ela aproveitou a certeza de não tropeçar por estar segura nas mãos da Amigamãedetodas, que estava nos braços do Grande Mestre e se deixou carregar pela canção que saía cada vez mais alta.

3536-000037, Southern Stock /Photonica

Enquanto isso o Mestre esperava que ela soltasse uma notinha musical que Ele mesmo colocou dentro dela para que Ele tomasse por completo o controle do caminho dela. Ela mesma não tinha segurança em soltar a pobre notinha e achou melhor deixá-la lá dentro confortável e protegida no calor do coraçãozinho que era um ótimo anfitrião.

A notinha porém não queria de forma alguma ficar naquele lugar mesmo que estivesse agradável e começou a pular e ficar inquieta dentro dela buscando um pouco de ar fresco. E ela foi ficando incomodada demais com aquela notinha agitada querendo sair até que finalmente, se debatendo no estômago, a notinha pulou pra fora e saiu irrompendo numa música velhinha, que foi suficiente para levar todo medo e receio junto com a notinha que se desfazia nas mãos do Mestre, de encontro ao ar.

108442779, Moment /Cultura

O Grande Mestre que assistia tudo colocou as mãos no ombro da Amigamãedetodas e disse: - Está vendo? Olha lá em cima o medo que saiu dali, pode ver? Eu mesmo vou pegá-lo, agora já está em mim, vai lá e mostra pra ela as flores que Eu estou plantando aqui nesse jardim. E a Amigamãedetodas levantou-se e foi. E segurando as mãos dela lembrou-a que ela tinha uma arara para cuidar e planos a executar independentemente do que acontecesse.

Enquanto isso a Amigairmãsensata ungia as asas que o Mestre estava dando para que ela pudesse ver as coisas do alto e ela já se aprumou em posição de voo de águia para ter postura de quem vê as coisas do alto. E vive as coisas do alto. E ama mais que tudo as coisas do alto.

O Mestre colocou então a Amigairmãmaisvelha para cobrir aquela sala com louvores à direita e colocou o menino dos dedos de teclas para fazer uma barreira intransponível à esquerda colocando todos eles no esconderijo do Altíssimo, debaixo das asas poderosas do Grande Mestre onipotente. Todos os presentes naquela reunião de fim de tarde se sentiram bem seguros e guardados por um poder nunca antes tocável.

Ela se sentia por todos os lados abençoada e levantou-se daquele sofá como se pudesse enfrentar um batalhão, afinal de contas, bem guardada desse jeito temer porquê? Calçou os sapatos que havia tirado para aumentar a sensibilidade dos pés e se sentiu renovada, como se o Mestre soubesse que ela precisava daquele alimento para continuar se locomovendo e existindo.

Na verdade ela sabia que Ele conhece todas as necessidades dela, mas no final das contas o Grande Mestre era também um pai fiel e surpreendente que cuidava dela com amor e zelo. Naquela noite mesmo com o frio que os paulistanos sentiam o fogo do Espírito queimava tão forte dentro dela que todo agasalho oferecido foi recusado em troca de um abraço aquecedor que ela passava a conhecer bem.

88093337, Tripod /Taxi

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