quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Cada volta é um recomeço...

E fila era o tipo de coisa de que ela não se agradava nem um pouco, mas pelo menos estava na compania das amigas que não via há tanto tempo. Naquela turma de apenas três que compunham ela ainda era a amiga irmã mais velha, mais chata que pegava no pé e ao mesmo tempo em que estava com saudades das meninas estava também com receio de voltar para aquele mundo, pois não era mais a mesma pessoa. Além disso, cada volta era um recomeço e voltava naquele dia a estudar e a conviver com a sala que deixara no ano passado.

As amigas estavam ali na fila, que estava simplesmente enorme, por causa dela que teve um acesso bloqueado sabe-se lá porque. Mas conversavam e falavam tanto que nem viu o tempo passar com a vagareza com que realmente se arrastava e estava feliz por não ter que passar aquelas quase duas horas em pé sozinha.

Antes de entrar, porém, e encontrar as duas que compunham, naquele lugar, o tripé do qual fazia parte ela havia tido uma looooonga conversa com o Grande Mestre e tinha falado com Ele que, apesar de ter se comportado relativamente muito bem naquele lugar durante todo o ano que passou queria ser diferente porque agora ela mesma era diferente.

200258102-001, Kaz Mori /Taxi

Foi lá mesmo que ela aprendeu o que era sujar a boca com palavras que eram tão comuns naquele reino, mas que ficavam estranhas na boca dela, pois não foram feitas pra ela. Como a linha entre a convivência e a contaminação era muito tênue não pensou nem meia vez em se igualar à maioria e a sujar cada vez mais a boca e se sujou mesmo com aquele manto escroto de palavras torpes por um bom tempo até começar a cantar que era livre e foi mesmo livre.

Naquela fila infinita para a retirada de um simples acesso mesmo com o olhar longe prestava a máxima atenção possível nas palavras que saíam da boca da amiga que tinha os cabelos meio cor de fogo, meio cor de sol, não sabia dizer ao certo, mas era bonita aquela combinação e ao mesmo tempo diferente. A amiga contava sobre o término do namoro e como tudo começou a ruir com o menino que achava que era o mais lindo da vida toda!

À medida que a amiga dos cabelos cor de fogo ia falando era como se ela fosse aos poucos transportada para aquele dia no semestre passado em que tinham que terminar um trabalho urgente e estavam correndo com toda parafernalha de ossatura pra cima e pra baixo e o menino que a amiga dos cabelos cor de fogo achava que era o mais lindo da vida parou e se pôs a espancar com palavras muito duras o amigo dele que era mais chegado como irmão desde muito tempo.

Isso trouxe muita indignação tanto a ela quanto a outra amiga e não quiseram mais conversar nem com o menino mais lindo da vida e nem com o amigo mais chegado que irmão. Naquela ocasião nem ela nem a outra amiga puderam falar nada a não ser comentar entre si, pois puderam perceber que nos olhos da amiga dos cabelos de fogo havia uma lente bem parecida com a que as pessoas que não enxergam bem usam, mas só que fazia o efeito contrário e a cegava de muitas coisas evidentes, inclusive que o menino mais lindo da vida era na verdade como um sepulcro vazio e fedia muito por dentro. Não havia sequer a vida normal de criatura que o Mestre criara naquele corpo que era belo pelas lentes que cegavam.

Subindo a rampa e discorrendo sobre aquelas coisas, ouvindo cada vírgula perguntou suavemente: "queria só desabafar ou quer minha opinião?" - timidamente a amiga dos cabelos de fogo se encolheu um pouco e disse em um tom abaixo: "sei que vai doer, mas quero opinião..." Nessa hora o pulmão buscou do fundo da alma uma bola de ar que veio com tudo e saiu pela boca dela no seguinte som suave: "eu não sei como, nem quando e nem porquê, mas se eu fosse você me colocaria agora mesmo com as mãos para o alto e agradeceria em alto e bom som porque o Grande Mestre, que te ama muito, te salvou a tempo e não aconteceu nada demais. Você á muito boa pra ele, só falta acreditar nisso!" 

107690953, Vietnam /Flickr

Na mesma hora o constrangimento tomou conta da face já naturalmente vermelha da amiga dos cabelos de fogo que com a boca trancada dispersou o olhar afim de assimilar o que tinha acabado de ouvir. Ela mesma achava estranho que tivesse começado a falar e não parasse nunca mais, pois tinha prometido a ela mesma que nunca mais se meteria naquela vida de amiga que aprendera a amar e que não queria intromissão, mas não se continha.

A amiga dos cabelo cor de fogo era bonita e simpática, mas não acreditava nisso porque a alma dela tinha sido pisetoada e quase morta quando era uma menininha pequena e pelo tamanho do pisoteamento achou que nunca mais fosse sarar, que ia mesmo morrer, mas mesmo sem que ela conhecesse o Grande Mestre ainda, Ele cuidava da amiga dos cabelos cor de fogo e soprou nas narinas da amiga dos cabelos cor de fogo o tanto de fôlego que foi deixado, pois estava muito fraca e não conseguia sequer receber o cuidado que precisava e mesmo que quase morta pôde viver com aquele golinho de ar que tinha tomado na alma.

E assim a amiga dos cabelos cor de fogo vinha tentando se curar e se reerguer por todo esse tempo dede então. É fato que já conseguia falar um pouco, já conseguia fazer muitas coisas que os filhos do Grande Mestre faziam, mas a amiga dos cabelos cor de fogo não tinha ainda a marquinha da promessa que Ele deu pra ela mesma e pra Amigairmãsensata, por exemplo. E era essa marquinha que fazia com que os olhos abrissem e com que a alma curasse.

Como tinha os olhinhos fechados ainda a amiga dos cabelos cor de fogo não via muitas coisas e ia andando tateando pela vida e fazendo mais marcas ainda na sua alminha que nunca se recuperou daquele acidente grave com mãe. E ela olhava pra amiga desejando que o Grande Mestre tivesse pelo menos uma oportunidade, mínima que fosse de se apresentar e falar pelo menos oi sem ser repelido, mas não estava na hora ainda.

Ela sabia que a amiga dos cabelos cor de fogo não sabia disso, mas o Grande Mestre tinha assistido as todas as coisas que aconteceram e estava ali tão perto, tão do lado dela que deu vontade de ela gritar: "olha pra Ele!!! Ele tá te olhando!!" Mas se controlou e não o fez ainda. Decidiu que ainda era muito cedo para amedrontar a amiga dos cabelo cor de fogo que acabara de reencontrar e não queria que se afastasse. Afinal, ela mesma esteve por todo aquele tempo longe do Grande Mestre e sabia que agora, naquele lugar que estava ela era quem carregava a Arca da presença do Mestre e não podia deixar que não fosse notada por ninguém.

Parou por um instante, puxou mais ar para acalmar o cérebro frenético por fazer tudo ao mesmo tempo e contou um pouco do que tinha feito no dia anterior para arrefecer os miolos. Olhou pro Grande Mestre de canto de olho, deu uma piscadinha e apontou pra amiga dos cabelos cor de fogo meio que dizendo: "o que eu faço agora?" esperando um sinal verde que saberia que precisaria plantar para ver nascer ao mesmo tempo em que torcia para não demorar nada e sorriram juntos, ela e o Grande Mestre esperando para fazer a melhor apresentação que amiga poderia ter na vida. Mas por enquanto tinha só que ter esperança e aguardar em silêncio Nele...

106628922, Chris Williams Black Box /Lifesize

2 comentários:

  1. Simplesmente não sei o que dizer! Não devia ter lido isso no trabalho!! HAHAHAHA!

    Sua leitura é muito envolvente!

    Ainda estou sem palavras, muito obrigada!!!

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  2. Ah! E hoje, depois de tantos dias de amargura. Eu chorei de alegria! =)

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