quarta-feira, 2 de março de 2011

Ela mal podia acreditar no que os olhinhos dela contemplavam naquela noite de chuva intensa e, sentada com todas aquela pérolas nas mãos, ela agradecia infinitamente ao Grande Mestre Criador que colocara dentro dela um jardim que ainda estava em construção mas até pérola já produzia.

E olhando fixamente nas perolazinhas que o Grande Mestre havia dado a ela era possível perceber que algumas haviam mudado de cor, outras haviam dado cria, algumas estavam brilhando um pouco mais, mas todas aquelas pérolas tiveram igualmente seu brilho acentuado depois que ela passou a dividí-las. Como aquelas perolazinhas haviam se multiplicado tanto... E depressa!!!!

90042501, Gentl and Hyers /Botanica

Anteriormente, quando guardava todas pra ficar olhando sozinha ela já as apreciava, mas agora, agora era diferente. Ela finalmente percebeu que apesar de serem ainda um pouco irregulares e precisarem de certa lapidação tinham a função de alimentar outros e desde que a Amigairmãmaisvelha brigou e teimou para que ela deixasse disponível aquele tesouro ao público e que ela se deixasse levar pelas mãos do Grande Mestre que a ensinava um novo ofício, ela passou a se deixar ensinar mais um pouco e a se dar mais um pouco, a não ter vergonha de compartilhar e de dividir o que tinha de mais precioso, o dom que Ele mesmo havia dado.

Quando recebeu todas aquelas preciosidades nas mãos não eram ainda brilhantes assim porque a ostra que ela era ainda não tinha nada por dentro que pudesse ser aproveitado e as pérolas que produzia eram foscas, não tinham brilho assim como as atuais que segurava. Era nítida a diferença entre as primeiras que fez por si só e as últimas fabricadas com a orientação do Grande Mestre.

Ele havia colocado um brilho ofuscante dentro dela que produziu não só pérolas mais bonitas e consistentes, mas que eram de uma espécie rara que servia para alimento e edificação como ela mesma provara.

Parece que os irmãos mais velhos sempre vêem um pouco além do que a nossa vista dá conta e falam de coisas que ainda não são como se já fossem. E assim numa tarde de chuva que as terras paulistanas guardam todos os dias para lavar seus moradores a Amigairmãmaisvelha discorria longamente sobre como era um desperdício que ficasse aquele monte de pérolas lacradas envelhecendo sem ninguém nunca ter contemplado, se beneficiado e se alimentado delas.

Em princípio ela não achou muito boa a ideia porque gostava daquelas coisas só pra ela e mesmo sendo uma coisa boa ainda tinha certa vergonha da exposição do que ela havia produzido, mas quando a poeira das palavras da Amigairmãmaisvelha abaixou todo aquele texto proferido em forma de exortação ficou vagueando pela cabecinha dela sem querer repousar ou mesmo cair nas águas do esquecimento. Apoiada então naquelas palavras de encorajamento, ela resolveu pelo menos tentar e saiu distribuindo perolazinhas filhas nas mãos de várias pessoas que não se importariam em olhar discretamente e dar algum parecer favorável nem que fosse por consideração.

Essas pessoas que ela conhecia, mesmo sem falar nada, gostavam tanto que distribuíram para outras pessoas que ela não conhecia, que passaram para outras pessoas diferentes até que ela não podia mensurar mais onde havia chegado aquelas pedrinhas reluzentes de ostra que o Grande Mestre trouxe e colocou nas mãos dela. E parecia que quanto mais ela dividia mais lindas elas ficavam.

Não sabendo porém que aqueles glóbulos calcários que se formavam dentro das conchas podiam mesmo saciar fome de alma quando feitas pelo Grande Mestre através das mãos dela, ela foi tomada pela surpresa ao ver que uma das pedrinhas que caíra nas mãos de uma amiga que tinha os cabelos cor de fogo tinha voltado para as mãos do Mestre e não voltara vazia. Voltou em forma de agradecimento.

200553470-001, Sylvester Adams /Photodisc

Era difícil pra ela, que sabia por onde passara anteriormente, acreditar que aquelas pérolas tinham o poder de, pelo menos, fazer refletir. O que ela desejava mesmo daquelas areinhas transformadas em jóias é que tivessem o poder de atrair aquelas pessoas que as contemplavam ao Grande Mestre com cordas de amor como só Ele fazia saber. Isso pra ela era muito mais possível do que o que estava acontecendo agora mesmo, que era que as pessoas gostassem e se alimentassem dessas iguarias. Afinal o Grande Mestre é a única pessoa em todo universo que consegue atrair com cordas de amor qualquer pessoa, e como era Ele mesmo que produzira cada uma daquelas pérolas, pessoas atraídas por laços de amor seria somente consequência do que já era planejado desde a criação do mundo quando a terra era sem forma e vazia.

E ali ela ficou por muito e muito tempo olhando para o rosto do Mestre e imaginando todo o caminho que trilhara e as alegrias e dificuldades do percurso até formar pérola boa e agradável que ainda não era perfeita, mas agora estava muito agradecida com o resultado da inflamação que dá pra que a areia intrusa se torne objeto valioso. Afinal, quem garante que a pequena ostrinha lá no fundo do mar também não sofreu com a irritação da areia para que virasse uma pérola tão linda e brilhante?

200527256-001, George Diebold /The Image Bank

Um comentário: