terça-feira, 8 de março de 2011

Um instrumento nas mãos Dele

Mesmo antes de entrar no auditório podia ouvir a voz da Amigairmãmaisvelha que cantava a pleno diafragma. Era somente um ensaio ainda, mas já podia tocar o óleo precioso e fininho que saía do grupo inteiro organizado em cima daquele palco que virou altar. Eram muitas vozes que compunham aquele som único e, mesmo sem ver cada rosto ainda ela já se sentia em casa, pois o som era muito familiar e agradável. Sabia que o Grande Mestre estava por ali e só isso pra ela já era mais do que suficiente. Ela podia sentir a presença Dele.
Como não podia se juntar aquele aglomerado de adoradores no altar resolveu se sentar e conversar com o Grande Mestre que coletava cada notinha produzida ali. Todo o som induzia a isso. A presença Dele era tão palpável que deu vontade de conversar muito mais do que ela mesma conseguia. Ela se sentou bem ao lado do Mestre e se pôs a conversar com Ele que ouvia calma e amorosamente tanto a melodia quanto o que ela falava.
Com toda a atenção possível ao que o Grande Mestre dizia, ela involuntariamente começou a observar que o Mestre usava a boca da Amigairmãmaisvelha pra falar com o coração dela. E não era nem tanto a letra da música ou mesmo a agradável melodia, mas o Grande Mestre a transportou para um dia quente e úmido de verão em que ela aprendia a ser irmã mais nova bem sentadinha numa praça de alimentação bem barulhenta.
Naquela tarde, como se fosse a primeira lição de irmandade, a Amigairmãmaisvelha exortava com firmeza a respeito de presentes que o Grande Mestre havia distribuído exatamente nas mãozinhas dela. Ela, receosa que era de carregar tamanho dom, com o coração ainda em recuperação de experiências passadas não aceitava muito bem aquele presente como sendo pra uso coletivo e em público e sim só pra ela brincar e em espaço reservado.
A Amigairmãmaisvelha indignada de ela guardar aquele instrumento em casa dizia ainda com mais firmeza do que de costume: Nina!!! Você não pode guardar isso só pra você!! Você vai fazer essas cordas mofarem!!!! E ela determinada retrucava: Mas eu não quero voltar a cantar!!! Já disse que faço qualquer outra coisa, mas cantar eu não quero!!!!! Foi então que, mais indignada ainda e, nutrida de grande autoridade dada pelo Grande Mestre a Amigairmãmaisvelha abriu mais ainda os olhos que já eram enormes, fez uma careta de boca retorcida e soltou uma frase muito séria, mas que no contexto todo soou até engraçada pela careta: E quem foi que te chamou pra cantar Nina??? Ninguém te chamou pra cantar! O Grande Mestre te chamou para uma coisa muito diferente. Ele te chamou para adorar e uma coisa não tem nada haver com a outra.

86070146, MacGregor & Gordon /Workbook Stock


Naquela hora o lugar extremamente barulhento parece que se calou pra ouvir a voz de autoridade da Amigairmãmaisvelha que tinha toda razão do mundo. Se o ambiente não tivesse se calado certamente o cérebro dela se calou para ouvir a voz da Amigairmãmaisvelha que continuava: Nina!!! Cantar todo mundo canta. Qualquer pessoa pode pegar um microfone e fazer proezas com o mínimo de esforço ou até mesmo sem esforço nenhum, mas o Grande Mestre te chamou pra fazer algo extremamente diferente e muito mais difícil.
A Amigairmãmaisvelha dava uma paradinha de vez em quando para que desse tempo de a razão dela assimilar todas aquelas coisas, mas percebendo a carinha de interrogação que se formara nela a Amigairmãmaisvelha continuava com voz mais suave e muita gesticulação: o Grande Mestre te chamou para ser adoradora e sabe o que você tem que fazer? Você tem que abrir sua boca e deixar que Ele mesmo toque esse instrumento de cordas que Ele colocou na sua garganta antes da fundação do mundo. O Grande Mestre quer que você se entregue a Ele de tal forma que Ele mesmo toque a música que quiser no instrumento vocal que Ele te deu. E dali em diante ela não teve mais coragem e nem argumento pra dizer mais nada e ficou somente escutando a Amigairmãmaisvelha ensinando pra ela como era ser irmã mais nova.
E naquela noite de festa em que conversava com o Grande Mestre sentadinha no banco acolchoado percebeu que a Amigairmãmaisvelha, naquela tarde já passada há tempos, sabia exatamente o que dizia. Ela percebeu que a única coisa que a Amigairmãmaisvelha fazia naquele palco que virou altar era abrir a boca como havia dito que ela mesma fizesse. E não conseguia mais fechar.
A Amigairmãmaisvelha, que era dona de uma voz de boa dádiva e de dom muito perfeito, mostrou pra ela naquela noite que nada adianta ter uma voz bonita, e saber cantar. O que realmente contava, como a Amigirmãmaisvelha mesmo já havia dito, era a habilidade do Mestre em tocar aqueles instrumentos conforme cada pessoa fosse permitindo. E se Ele não tocasse com as mãos Dele o instrumento ficava como que desafinado e oco, vazio de som.
Olhando fixamente pra Amigairmãmaisvelha ela se lembrava de cada palavrinha que o instrumento de cordas na garganta da Amigairmãmaisvelha produzia naquela tarde já distante: Nina... no final das contas, se não tiver essa unção que desce do trono da graça do Mestre, que Ele mesmo coloca, nada vale a pena. E pensava naquilo tudo que a Amigairmãmaisvelha falava e entendia a cada notinha produzida no altar que aquela autoridade toda vinha do conhecimento que a Amigairmãmaisvelha já tinha. E já vivia aquelas palavras havia muito tempo. De certa forma era essa a receita de sucesso que Amigaairmãmaisvelha tentava passar a ela naquela tarde quente e úmida passada. E que sucesso diga-se de passagem.
Foi então que em um leve toque o Grande Mestre a tirou daqueles pensamentos todos em que tinha se enveredado, lançou a ela um sorrisinho cativante e ela sorrindo em retribuição abriu vagarosamente a boca para que Ele mesmo tocasse também o instrumento de cordas que havia colocado na garganta dela como a Amigairmãmaisvelha tinha ensinado.
O Grande Mestre estendeu então a mãozona Dele e colocou no instrumento de cordas da garganta dela um cântico novo e ela O adorou com toda a intensidade do serzinho que ela era. Depois disso não conseguia parar nunca mais e entendeu o que se passava com a Amigairmãmaisvelha que não conseguia parar e se deixou levar pelo toque do Grande Mestre virando apenas um instrumento usado nas Grandes Mãos poderosas Dele. Tinha assim descobrido o presente de ser um instrumento simplesmente tocada por Ele.


93908980, Ariel Skelley /Blend Images

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