sexta-feira, 18 de março de 2011

O céu lilás com nuveninhas de água bem baixas que a envolviam por todos os lados faziam com que o frio se acomodasse nos braços quentinhos que ela possuía e o vento constante de março vinha trazendo aos poucos o outono que chegava cada dia mais perto. Apesar de o outono ser uma das estações que ela mais gostasse, ali naquela hora, sentia frio e desejava que a carona chegasse com o carro quentinho depressa.

A cabeça dela estava bem ocupada com a preocupação se a roupa estava boa o suficiente para um evento daquele tamanho e as significações que isso implicaria, com as palavras duras da mãe que acabou brigando por ser um evento em plena segunda-feira e com tantas outras coisas que, pelo volume, se fundiam.

E  foi assim que no meio de uma tempestade de pensamentos encavalados lembrou-se que a Amigairmãgêmea dessa vez não estava viajando e nesse mundo não há nada como alguém que pensa com a cabeça da gente pra dividir o que quer que seja. Pegou depressa o telefone e digitou o número gêmeo que sabia de cor. Do outro lado do aparelho a sobrinha dos olhos de piscina com a voz mais amável do mundo a recebia com um sorriso de manhã de domingo e ela, de quase afogada em todas aquelas preocupações, nem prestava atenção direito aos detalhes que a sobrinha dos olhos de piscina falava com calma.

Quando enfim a Amigairmãgêmea fez a voz chegar aos ouvidos dela o coração dela se confortava só de poder sentir a voz da Amigairmãgêmea que, com todos os foguetes possíveis dentro dela, falava rápido e agitadamente como ela mesma era agitada. Depois de explicar todas as preocupações do mundo que pesavam sobre o cérebro inquieto dela a Amigairmãgêmea simplesmente enviou algumas palavras para que ela se escorasse e andasse olhando pra frente de novo e com ânimo renovado.

99277140, Mike Kemp /Tetra images

Era extremamente engraçado o fato de mesmo não tendo a mesma idade e não saindo da mesma barriga, apesar de terem saído da mesma cidade, a semelhança gêmea que possuíam. Quem olhasse à primeira vista nunca saberia falar uma semelhança sequer entre as duas, mas um observador que parasse por cerca de cinco minutos a olhar uma conversa entre ela e a Amigairmãgêmea comprovaria que, cada uma com a bagagem que adquirira, tinha os mesmos foguetes dentro, as mesmas incontáveis gafes públicas, as mesmas ideias malucas, a mesma paixão pueril pelas coisas simples, a mesma falta de filtro e de noção para falar o que o cérebro tinha acabado de conceber e tantas outras coisas incontáveis.

Por muitas e muitas vezes, como era o caso daquela noite pré-outono, ela não conseguia fazer com que o coração parasse de discutir com o cérebro e precisava da voz dela mesma para se orientar, mas não podia formular sentença inteligível. Era nessas horas que ela pensava ter um privilégio indescritível de ter o espelho vivo que era a Amigairmãgêmea. Ela podia ver através da Amigairmãgêmea o que ela mesma faria se pudesse pensar um pouco melhor e gostava disso.

Quando desligou o telefone poucos segundos depois, pela falta de paciência da Amigairmãgêmea, que tem um show pirotécnico inteiro dentro dela, já se sentia um pouco mais leve e já podia apreciar a brisa fria que lhe acariciava o rosto como uma coisa boa e não motivo pesado de frio. Saiu então daquela estação de metrô e foi se sentar num espaço onde o Grande Mestre esperava por ela, agora ela podia vê-Lo, saiu correndo para se sentar junto a Ele e ficou extremamente feliz por causa disso.

Um tanto quanto sem jeito se acomodou ao lado Dele e puxou assunto em outras línguas que o Grande Mestre havia ensinado a ela e com a força dessa conversa com o Mestre caminhou quase que a noite inteira, foi bendita ao entrar e ao sair e ainda colecionou mais algumas histórias.

A Amigairmãgêmea, naquela noite, havia feito o papel de Amigamãedetodas a conduzindo para mais perto do Grande Mestre com a pureza e simplicidade que somente as crianças podem carregar.

95727697, Karen Strauss /The Image Bank

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