sexta-feira, 29 de abril de 2011

Cunhado ou recém-irmão?

Ela não sabia muito bem por quê, mas estava ali sentada manuseando todas aquelas pecinhas brilhantes que o Grande Mestre colocou nas mãos dela para que ela se alimentasse e isso dava bastante saudade da Amigairmãmaisvelha que deu a ela muitas e muitas daquelas histórias.

Na verdade só de se sentar perto da Amigairmãmaisvelha já era suficiente para nascer boas histórias. Olhando pra todas aquelas pecinhas, porém, se pegou a pensar no cunhado que conhecera há tão pouco tempo e já era tão polêmico entre elas.

O cunhado era ao mesmo tempo sério e misterioso em sua forma de ser e algumas vezes ela mesma tinha ficado irritada só de olhar pro rosto meio sombrio do cunhado, mas por causa do amor de irmã que tinha pela Amigairmãmaisvelha reunia toda educação que a mãe educadora que tinha deu a ela e simplesmente sorria em silêncio.

E foi enveredando por esse caminho que se lembrou do dia em que o cunhado deixou de ser cunhado e passou a ter um pedacinho de irmão dentro dela. Era um dia de festa como elas sempre costumavam ter e ela estava ansiosa pela chegada da Amigamãedetodas naquele lugar que já estava cheio. Colocou-se de pé a procurar um lugar para que pudessem acomodar a Amigamãedetodas com toda a prole que carregava sempre e de repente viu uma mãozinha tentando chamar a atenção dela.

A Amigairmãmaisvelha a chamava para abraçar o cunhado, que naquele contexto já era mais aceitável do que simplesmente marido da irmã. Naquela hora ela percebeu que tinha certo receio do cunhado e não sabia como se comportar perto de alguém que tinha visto somente uma vez, mas que ouvia tanto falar. Por pura educação se levantou e se dirigiu a eles com um sorriso artificial, mas carinhoso, desenhado no rosto e o cunhado a recebeu com simpatia.

Desde aquele dia a capa de cunhado de aquele ser cunhava foi deixada de lado e foi-lhe colocada coroa de irmão, que passou a frequentar com bastante frequência as conversas que ela tinha com o Grande Mestre. Como ela conversava sempre, sempre com o Mestre, ela falava que queria que o recém-irmão usasse não só a coroa de irmão que tinha acabado de ganhar, mas também vestes de louvor como a Amigamãedetodas já usava há tempos, como a Amigairmãmaisvelha vinha usando o tempo inteiro e como ela mesma estava aprendendo a usar com o passar do tempo e com a convivência constante com as duas.

O que ela não sabia, porém, é que a oração de um justo vale muito, muito, muito pelos efeitos que pode produzir. E ela não era a primeira, não era a única e nem seria a última a falar com o Grande Mestre para que as roupas do recém-irmão fossem trocadas. E o Grande Mestre ouvia tudo aquilo em silêncio aquecendo as mãos para começar o trabalho que faria por completo na vida do recém-irmão.

Depois dessas coisas ela ficou muito tempo sem ter sequer uma notíciazinha do menino recém-irmão. Às vezes os encontros com a Amigairmãmaisvelha eram corridos demais para se aprofundarem em algum assunto específico e preferiam contar tudo sem detalhar do que contar uma só coisa, mas ela mesma não deixava de falar ao Grande Mestre que agora tinha um recém-irmão que precisava urgentemente de roupas novas.

As folhinhas do calendário foram caindo pelo chão e sendo varridas junto com a mudança de estação que anunciava a chegada e instalação do outono, sempre apressado em correr e ventar em tudo o que via pela frente. E foi numa manhã quente e seca de domingo outonal que, sem esperar muito encontrou novamente o recém-irmão e pôde conversar melhor com o menino de estatura esticada que ele era.

Dessa vez o recém-irmão usava uma máscara estranha que o Grande Mestre já tinha falado que cairia sem que ninguém esperasse, mas o Mestre mesmo só mostraria para uma única pessoa, que era a Intercessora do recém-irmão.

Já havia muito tempo, tanto que não era possível nem contar, o Grande Mestre olhou para os olhos naturalmente grandes da Amigairmãmaisvelha e disse que dali em diante ela se chamaria pelo nome de Abigail, que quer dizer inteligente e formosa. A Amigairmãmaisvelha retribuiu o olhar toda sorridente e disse: Eis-me aqui, pode me usar da maneira que queres. E foi assim coroada como intercessora do marido, à qual o Grande Mestre ainda mostraria muitas coisas novas que a Amigairmãmaisvelha mesmo não podia sequer imaginar.

E ela conversava com o recém-irmão meio sem jeito pela falta de contato e ficou admirada com o volume de informações automobilísticas que aquela cabeça podia guardar. Parece que foi o assunto certo o tal do carro, mas ela mesma dominava muito pouco da arte das rodas e deixou o recém-irmão falar o quanto pôde e o quanto quis.

Quando estava prestes a começar a celebração interrompeu-o com serenidade, levantou-se rapidamente e de um giro de calcanhares correu para o lado da mãe e deixou que o recém-irmão se entendesse com o Grande Mestre sobre qual seria o lugar dele naquela sala de adoração.

E o recém-irmão, parecendo se sentir bastante à vontade ficou ali com os carros imaginários que desmontaria e remontaria como troféus todo orgulhoso da obra que tinha feito. E ela ficou feliz não só por receber o recém-irmão na casa do Pai, mas também de poder compartilhar aquelas coisas com o menino recém-irmão

 200414148-001, David C Ellis /Riser

E mais uma vez, depois daquela festa, o relógio ordenou que os ponteiros corressem depressa, pois tempo é sempre apressado mesmo e não via há tempos nem sinal do recém-irmão e nem da Amigairmãmaisvelha que a tinha deixado com saudades.

Até que uma notícia do menino recém-irmão trazida pela anunciadora de boas novas que a Amigamãedetodas era fez o coraçãozinho dela sorrir de satisfação e alegria ao mesmo tempo.

No dia que se chama Hoje o Grande Mestre ordenou com voz de autoridade que o recém-irmão, distraído que era, parasse tudo, tudo, tudo o que estava fazendo e ouvisse o que o Mestre tinha a dizer. E não era pouca coisa! Um tanto quanto sem escolha, o recém-irmão parou e colocou-se de pé para que o Grande Mestre pudesse falar. E naquele ato de fé pueril do recém-irmão o Grande Mestre falou mesmo ao coração do menino recém-irmão que aquele mês de julho era. E como chuva de fim de outono, os olhos do menino recém-irmão choveram sem medida e regaram todo o rosto dele, que já não podia ficar indiferente.

E ouvindo aquelas boas novas ela sabia que aquilo tudo era pouco na verdade, mas ela via o coração do recém-irmão como uma pedra enorme, de proporções gigantescas que não era possível quebrantar e aquela fontezinha que se fez nos olhos do recém-irmão eram muito mais do que parecia. O modo mais fácil de quebrantamento era um explosivo chamado dinamite, mas isso causaria muitos danos áquela pedra e não era da vontade do Grande Mestre que nenhum sequer se perdesse, por isso a Amigairmãmaisvelha usou outro artifício e colocou-se a martelar constantemente aquela pedra de coração.

Durante muitos e muitos anos, todos os dias a Amigairmãmaisvelha batia cada vez um pouquinho e com cuidado para que não ferisse, mas fizesse o impacto necessário. E por todo esse tempo não era possível ver nenhum resultado, a pedra continuava tão dura como estava na primeira martelada, e a Amigairmãmaisvelha usava toda paciência, amor e perseverança que o Grande Mestre ia derramando nas mãos afiadas para a batalha que dera à Amigairmãmaisvelha.

Aquela fontezinha que jorrava do olhar do recém-irmão, na verdade, era uma fendinha na pedra dura de coração que o recém-irmão tinha no peito. E por fora ainda era apenas um buraquinho, mas as marteladas que a Amigairmãmaisvelha ia dando no coração de pedra fizeram com que o coração fosse se quebrando aos pouquinhos de dentro para fora no acumular dos anos. Por isso não era visível o processo. O coração do recém-irmão começou a se quebrar onde ninguém via ainda, e agora as rachaduras já apareciam um pouco na superfície.

E ela, esbaforida que era, já estava radiante de imaginar todas essas coisas e queria muito saber de todos os detalhes, mas isso ainda não era acessível pra ela por enquanto. Nem mesmo pra Amigairmãmaisvelha, inercessora do menino recém-irmão essas coisas estavam disponíveis ainda, o que significava que poderia demorar um pouco a chegar pra ela os detalhes. Mas estava feliz demais pra pensar nisso.

E sem se importar muito com os tais dos detalhes que ela queria tanto, ela abriu a boca e agradeceu ao Grande Mestre longamente por já estar trocando as vestes do recém-irmão mesmo que o menino não percebesse. E ela cantava e bendizia o Grande Mestre da salvação por aquelas coisas maravilhosas.

Foi então que se encheu de mais alegria ainda e pediu que o Grande Mestre continuasse a boa obra que havia iniciado e levasse até o fim, o que ela sabia que o Mestre faria, pois é fiel e justo para cumprir tudo aquilo que prometeu.

Foi assim que ela foi dormir, sorrindo para o Mestre, e já imaginando e tecendo pela fé a cena em que ambos, Amigairmãmaisvelha e o menino recém-irmão, consortes que já eram, andando sob a mesma bênção, sob a mesma missão confiada a eles e dando suporte um ao outro incessantemente de joelhos para não cair como fora desenhado pelo Grande Mestre desde a fundação do mundo, formariam um cordão de três dobras que não se arrebenta nunca pela força que tem.

103435953, paul mansfield photography /Flickr

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