quinta-feira, 28 de abril de 2011

Filhos...

Nessa primeira noite fria de outono vigorante o vento insistia com firmeza em atrapalhar os cabelos dela que foram suavemente arrumados pela mãe cuidadosa que tinha. Ao mesmo tempo que se sentia friorenta na estação de trem, quando colocava o casaco sentia calor e vontade de tirá-lo. Decidiu então que simplesmente seguraria o casaco sobre os braços e mudaria de um braço para o outro, caso fosse necessário. E assim ficaria quentinha somente o suficiente, sem sentir calor.

Ali, parada e distraída com a força do vento e com o próprio desengonço em arrumar o cabelo, arrumar a blusa e segurar o frio ficou pensando em como aliviar um pouco a tensão da bolsa, que também incomodava e já começava a pesar, já que segurava a blusa nos braços para não sentir todo o frio que a estação sugeria. Foi então que, ainda se ajeitando, ao olhar pra baixo viu uma junta de ratinhos dançarinos que, à sua maneira faziam uma coreografia estranha e muito engraçada entre os ferros dos trilhos.

85041130, Julie Toy /Taxi

Ela já havia visto muitas e muitas vezes os tais ratinhos a dançar e brincar nos pedaços de concreto que compunham o caminho do trenzinho, mas dessa vez eles eram muitos e já não conseguia contar com precisão, pois corriam tão depressa que se perdiam entre eles mesmos. Normalmente ratinhos como aqueles eram nojentos, mas dançando daquela forma eles ficavam fofos. Eram pequeninos e de tanto que se cruzavam já quase não podiam se distinguir um do outro. Havia, porém um menor e mais ágil, havia um outro mais gordinho, havia ainda outro que balançava a cauda com tanta velocidade que parecia em preparação para alçar voo.

E contemplando todo aquele balé que os ratinhos faziam com maestria entre os trilhos de concreto e ferro, começou a se lembrar da Amigamãedetodas que durante uma longa conversa entre elas, família que eram todas, com o Grande Mestre, Ele mandou que a Amigamãedetodas dissesse em alto e bom tom que ela, menina que era, seria mãe de muitos filhos. E não somente filhos de sangue que saem da barriga da gente, mas filhos que se achegariam para que fossem cuidados na alma.

Ela, cuidadora e serva que era por natureza gostou muito da ideia, mas não se sentia apta para cuidar de outras pessoas, mas mesmo assim agradeceu ao Grande Mestre por confiar às mãos dela tão precioso presente. Foi então que a Amigamãedetodas, parecendo que sabendo dos pensamentos dela logo disse que o trabalho dela, dali em diante, seria pedir ao Grande Mestre por todos aqueles filhos que o Mestre mesmo colocaria nas mãozinhas dela. E o Mestre mesmo cuidaria de tudo, desde a concepção até o nascimento.

89055141, David Young-Wolff /Photographer's Choice

Aquilo trouxe muita paz e alívio ao coraçãozinho dela, pois já havia cuidado de muitos, mas nenhum como filhos mesmo. Gostava de cuidar das pessoas, mas filhos eram diferentes! A responsabilidade dos filhos é inteiramente da família, e precisam de ajuda para comer, para dormir, para se manterem limpos, enfim, para TUDO. Ela sabia, porém que quando a mãe está de joelhos os filhos ficam de pé, saudáveis e em caminho reto. E isso era muito novo pra ela no papel contrário de filha, ela ainda não tinha experimentado nada igual até agora.

Como  conhecia, entretanto o Grande Mestre e sabia que a Amigamãedetodas falava exatamente o que o Mestre havia mandado, o coraçãozinho dela se encheu de alegria por todos os filhos de fé que teria e fez exatamente como as mães mais experientes fazem, chorou de alegria. Já podia ver em algumas situações e conversas depois daquele dia alguns sinais de gravidez prematura.

E se alegrava com isso! Até porque parecia que estava ficando semelhante a Amigamãedetodas, que tinha muitos filhos que não chegou a gerar, outros com os quais conviveu por breve tempo, mas cuidava com o mesmo carinho e afeto de todos eles, não só dela, mas da Amigairmãmaisvelha e de todos que receberam o Grande Mestre e foram escolhidos para serem chamados filhos Dele, a saber, os que creem que o Grande Mestre existe e é galardoador daqueles que O buscam.

Nenhum sintoma e sinal que apresentara até agora, todavia chegaram sequer a serem comparados àquelas horinhas anteriores que tinha acabado de viver. Pela primeira vez desde aquela reunião em que o Mestre havia dito tais coisas ela se sentiu realmente grávida com direito a barrigão e tudo mais.

89622089, Brandy Anderson /Flickr

O Grande Mestre preparou algumas horas para que ela ficasse de conversa à toa com a amiga dos cabelos de fogo e pudesse falar do amor que Ele, Mestre e pai zeloso, tinha pelos cabelos de fogo que aquela menina era inteira. E sentada ali naquele lugar barulhento que foi ficando cada vez mais calmo para que ela pudesse ser ouvida, ela se pegou a conversar com a amiga dos cabelos de fogo como mãe mesmo. Mãe que cuida, que ama incondicionalmente e que quer o melhor para aqueles a quem gerou. E quanto mais ela falava mais crescia dentro dela o amor que já tinha por aquela menina dos cabelos de fogo com quem já convivia a tanto tempo.

Enquanto falava sem parar por observar que cada palavrinha era de fato absorvida, ela se pegou a contar várias histórias com maestria que não sabia que possuía e contou desde as promessas e alianças feitas pelo Grande Mestre eras atrás até a saída de um povo que fora escolhido a dedo da terra do Egito e como o cuidado de pai do Grande Mestre não muda. E a menina que estava bem na frente dela, de olhinhos fixos e molhados, prestava atenção a cada detalhe sem desgrudar o olhar dos olhos dela.

E ela, mãe recém-nascida que era, com vontade de abraçar e acariciar os cabelos da filha, que mesmo ainda não tendo nascido de fato estava em formação no ventre espiritual que ela tinha. E foi nessa hora que percebeu que aquele embriãzinho de que cuidava todas as madrugadas para que tivesse um crescimento adequado e chegasse a feto formado com sucesso não era mais um amontoado de células indefinidas que não se sabia o que era, tinha agora adquirido algumas forminhas que já dava para identificar.

306540-001, Neil Harding /Stone

Já se podia ver as mãozinhas, os pezinhos e os cantinhos dos olhos, que ainda que fechadinhos eram olhinhos, dava pra ver algumas partes dos órgãos vitais e pela fé dava para ver até os dons e talentos daquele bebezinho em formação que crescia na barriga dela.

E ela, extasiada, maravilhada com aquele milagre da criação que crescia rápido se alegrou como uma mãe que sai do consultório médico com o ultrassom nas mãos e dava pulos de alegria e falava sem parar com o Mestre que tinha dado tamanho presente nas mãozinhas dela para que ela cuidasse e conduzisse. E não conseguia parar de agradecer pela infinita misericórdia que o Mestre tinha para com ambas, recém-mãe e recém-filha de poderem estar ali sentadas aos pés Dele trazendo à memória coisas que dão esperança.

88190142, altrendo images /Altrendo

Sentindo o pesar de serem interrompidas pelo movimento, pelo barulho e principalmente pela hora elas se levantaram dali e ela, como recém-mãe que era, ainda sem ter passado por todo trabalho de parto segurava orgulhosa a barriga com todo carinho como se já carregasse a filha, que crescia bastante em pouco tempo ali dentro e pedia ao Grande Mestre que essa gestação fosse levada até o final com saúde, e mais do que isso, que o Mestre colocasse nas veias daquele bebezinho o sangue Escarlate do Cordeiro que foi morto, mas venceu e hoje reina para sempre.

107992416, Mark Alberhasky /Science Faction

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